O FEIJÃO E O SONHO NO SÉCULO XXI
por Juliana Silva Valis
por Juliana Silva Valis
"O Feijão e o Sonho" é uma obra escrita por Orígenes Lessa, publicada em 1938, que tem como protagonista o escritor e poeta Campos Lara, vivendo sempre a dualidade entre sua paixão pela literatura, aquilo que realmente lhe fazia feliz, e a necessidade de manter sua família e despesas materiais (http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Feij%C3%A3o_e_o_Sonho).
Transportando essa história para o nosso tempo, vemos com certa facilidade como é frequente este enredo na vida de tantos trabalhadores e trabalhadoras: de um lado, está aquilo que lhes proporciona o encanto na existência (seja alguma arte, algum esporte ou qualquer outra atividade) e de outro lado, a realidade, constantemente dura, de tantas contas a quitar, tantos impostos, tantas despesas, que levam inúmeras pessoas a trabalharem naquilo que elas não gostam, muitas vezes por falta de opção, por necessidades familiares ou por milhões de outros motivos. Este é um fato muito frequente. É o embate metafórico entre o feijão e o sonho que vemos, presenciamos e, muitas vezes, vivemos, cada qual com suas circunstâncias e expectativas.
Nesse sentido, é muito interessante, amigos, como enxergamos essa metáfora do feijão e do sonho, sobretudo no contexto do mundo de trabalho contemporâneo, tão competitivo, exigente e, por que não dizer, pouco (ou nada?) sensível às necessidades humanas.
Esta pequena crônica me veio à mente de uma forma inesperada. Estive aqui pensando sobre o dia do trabalhador e, assim, refletindo sobre qual tipo de trabalho a sociedade tem valorizado mais, em detrimento da alma das pessoas. E isso, de certo modo, recordou-me o enredo do livro "O feijão e o sonho", já mencionado, propiciando um questionamento talvez excêntrico: o quanto este mundo materialista, consumista ao extremo, competitivo, frio, técnico, supervalorizador de aparências descartáveis, tem nos roubado de nós mesmos ?
Não se trata aqui apenas de repetir o antigo conceito de alienação no trabalho, proposto por Karl Marx, e exaustivamente debatido em tantas décadas, não. Talvez seja um pouco mais simples que isso, mesmo porque este texto não tem qualquer pretensão acadêmica. A pergunta que nos vem à mente, sobretudo quando passamos por dificuldades financeiras ou trabalhistas, é muito simples e direta: o que estamos fazendo de nós mesmos? Por que existe tanto desrespeito aos trabalhadores, tanto subempregro, exploração ou desemprego ?
Essas indagações, na prática, ensejam respostas muitas vezes difíceis, porque temos que analisar vários fatores simultaneamente. Se o trabalhador comum segue apenas os seus sonhos, muitas vezes não rentáveis, como ficaria o seu sustento e o de seus dependentes familiares sem o "feijão" de cada dia ? Por outro lado, se esse mesmo trabalhador viver apenas do "feijão", que alimenta o corpo, como ficará seu espírito com o passar dos anos, sabendo que seus sonhos passaram à revelia, sem concretização, na frieza mundana ?
Veja que isso vai além de teorias, pois nós, por exemplo, escritores ou amantes das letras, sentimos na pele como é difícil sobreviver com despesas de toda ordem, impostos, trabalhos externos, contas e dívidas inerentes ao sustento próprio ou da família, tendo o desafio de conciliar isso tudo com a criação literária, que não é rentável na maioria das circunstâncias.
E, de modo análogo, vários outros trabalhadores passam pela mesma situação que nós passamos. De um lado, o trabalho técnico que nem sempre propociona satisfação existencial. De outro, o sonho, aquilo que nossa alma nos pede. O grande desafio, se é que podemos assim concluir, é encontrar um equilíbrio nisso tudo, a fim de que o feijão e o sonho sejam complementares ou, se não forem, que possam ao menos incentivar o trabalho humano de superação ou de reinvenção do que possa fazer sentido neste século XXI, além de aparências efêmeras, produtos descartáveis e ilusões digitais em grandes televisões de plasma.
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