POR UMA LARANJA

Eu tinha nessa época uns 15 anos. Meu avô pediu que fosse até o sito do seu Álvaro, um chacareiro com fama de sovina para pedir-lhe uma informação sobre determinado tipo de fertilizante. Meu irmão menor tinha 2 anos de idade e muita curiosidade, fazia perguntas o tempo todo. Eu o tomei pela mão e levei junto para um passeio até a chácara que ficava a uns 800 metros dali. Devia ter uns 30 metros do portão de entrada até a propriedade. Andamos por um corredor em meio a um belo pomar carregado de laranjas tangerinas e limões. Depois que fui informado de que ele não sabia ou se soubesse não daria a tal informação, rumamos para o portão em meio a frutas espalhadas pelo chão. Meu irmão pegou uma laranja bonita recém caída.

– Largue isso aí! Gritou o velho.

– Puxa seu Álvaro, está caída no chão! Retruquei.

– Está na minha propriedade, pode largar aí!

– Certo! Mano, largue essa bosta aí._Compraremos uma no caminho!

Voltei contrariado. Puxa, não é à toa a fama de sovina, mas isso não vai ficar assim.

Contei pro Nico, um companheiro de traquinagens. Seus olhos brilharam.

– Se você está pensando o mesmo que eu... Claro que estava, esperamos anoitecer e nos preparamos. Dois sacos de aniagem e muita disposição. Era uma noite bastante escura e naquela época as pessoas dormiam muito sedo. O dia vinha clareando quando terminamos nossa tarefa. Estava lindo de ver o chão coberto de frutas, não deixamos nada nas árvores. Enchemos os sacos com quantas laranjas pudéssemos carregar e as distribuímos, um punhado em cada casa que encontramos pelo caminho. Parece que ninguém viu dois malucos distribuindo um punhado de laranjas nas portas das casas. Não eram tantas assim e sobrou muita laranja. Guardo na lembrança o sorriso de meu irmão com a cara toda lambuzada. Durante o dia a história se espalhou e comentava-se que o velho sovina fora castigado por alguma intervenção divina. Mas nós mantivemos o sigilo e nunca falamos pra ninguém. Dizem que o velho nunca mais negou uma fruta. Penso que as pessoas eram mais felizes na época em que não havia dinheiro e os homens saiam pra caçar e as mulheres cuidavam da horta e dos filhos. Dividiam tudo com naturalidade. Na sociedade de hoje! Se não tiver o maldito dinheiro, você não sobrevive. Só os cães de rua têm esse direito, mas não na Ásia, onde viram carne de churrasco.

Lauro Winck
Enviado por Lauro Winck em 01/05/2012
Reeditado em 18/04/2013
Código do texto: T3643993
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