Montanha e Depressão

Assim diz as Escrituras: todo o ser vivente geme. Partindo deste ponto percebemos que não há como fugir do sofrimento por mais doutos que sejamos, porque é uma coisa natural da vida terrena.

Se olharmos para a natureza veremos animais ferozes e mansos sofrendo em algum período de suas vidas; pega-se a humanidade num todo e vemos homens e mulheres, crianças e adultos de poder aquisitivo elevado gemendo por motivos diferentes ou iguais as crianças desnutridas e enfermas da África, porque a felicidade e a saúde não estão no dinheiro.

Hoje, vejo a separação e a ausência de pessoas diletas e amadas uma forma de aprendizado. Aprendi gemendo que elas sempre foram importantes desde o início de nossos laços (mais ainda do que eu imaginava) para mim, tal qual o meu próximo que pede um real para tomar um café. Vejo que o governo precisa de mim (mesmo eu não aceitando muitas das leis criadas por nossos políticos) assim como o meu país: se eu produzo, eles me ajudam de alguma forma e se eu transgrido a lei sou condenado, eles e os meus próximos que pagam por meu delito, coisa que não é nada sensata.

O provérbio popular, transmitido de geração a geração diz o seguinte: aquele que nunca curou ferida não sabe o que é dor. Pessoas que não sofreram não podem ser conselheiras, pois não adquiriram a sabedoria de quem tem cãs.

Mas, quem quer ser infeliz nesta vida? Procuramos a felicidade como se ela fosse a nossa única meta. E há pessoas que se tornam alcoólatras após a perda de um ente querido, amor, paixão ou bens materiais. O álcool traz a sensação de alívio, porque bloqueia o senso. Outras pessoas preferem drogas mais pesadas como as alucinógenas: ópio, cocaína, crack, heroína, êxctase e muitas outras; as alucinações distorcem a realidade, e o período em que a química fica no organismo possibilita ao derrotado ser herói, levando-o a fuga mais viável, nem que por um tempo efêmero.

Há outros tipos de pessoas extremistas que colocam a necessidade financeira como um problema alem daquilo que conseguem suportar. Claro que queremos mordomia; claro que alcatra é melhor que pão seco! As prostitutas se vendem por um mísero dinheiro, e até aquelas que são consideradas de luxo se vendem por pouco! São discriminadas e não aceitas pela sociedade, vistas como marafonas e sujas por dentro, onde todos nós, em juízo normal, queremos ser limpos. E quando vemos uma meretriz de luxo esbanjando dinheiro, roupas, maquilagens, sapatos e joias caras dá a impressão que ser catador de papelão e ferro velho é uma profissão "imprópria", pois, ganha-se pouco e o "sujo" é mal visto pelos olhos humanos desde os tempos de Samuel¹, porem ninguém vê que ele é um homem digno, justo e honrado que luta por sua vida e pela preservação no meio ambiente.

Aí eu me pergunto: quanto vale o nosso corpo? Quanto vale a nossa alma? Por mais cético que a pessoa seja e não creia nas Escrituras, cidadãos leigos dirão que, por mais alto que a pessoa se vende ainda assim será mísera quantia, porque a vida humana não tem preço.

O entorpecente vicia pessoas inocentes e carentes, essas mesmas procuram lenitivo, porque o "batente" não atende o tamanho de sua ganância, já que o trabalho, de alguma forma, é uma escravidão milenar. Daí compram a polícia e a boca dos moradores da vila ou bairro, lucrando em cima de pobres coitados. E quem quer ser escravo? É mais fácil burlar para ter mais lucro.

Mas, quando estamos felizes vivemos no ápice, porem nos tornamos insensíveis a nós mesmos e para com a agrura e sofrimento alheios. A nossa felicidade se torna mais importante que qualquer pungir. Egocêntricos, não vemos o nosso irmão que pede por caridade, um abraço ou companhia. Somos superficiais, porque o intelecto ou a razão não deixam o sentimento² agir.

É tão bom olhar à montanha altiva! Parece que os terremotos não a abalará. Temos a sensação de liberdade, poder e majestade. De cima vemos a depressão, mas preferimos o vento fresco das altitudes e não percebemos que esses ventos na verdade são gélidos; porque o que há realmente na montanha é gelo, onde a nevasca cobre os picos e nada prolifera.

Na tristeza não há alegria senão depressão, carência, sofrimento, desdém, desespero, medo, desamor e a pontinha de esperança estrebucha quando pensamos na feérica de outrora ou alheia. Talvez seja por isso que ninguém queira sofrer, procurando subterfúgios. Afinal, passar pelo processo de ter esperança é doloroso já que quem passa por esse processo é justamente aquele que ainda não tem o que almeja.

O que a maioria das pessoas não compreende é que "a dor é quem ensina a gemer". Dela podemos tirar muito proveito, para fortalecimento próprio e ímpar, para ser compartilhado em nossa alegria e na depressão do próximo.

Desce da montanha! Sofre mais um pouquinho! Passe por cima de seus problemas, necessidades e sofrimentos como um verdadeiro cavaleiro. Não que eu queira o seu mal. Mas é que é na depressão que podemos ver os botões eclodindo.

20/04/2012 2h15

Nota:

Samuel¹: profeta do Velho Testamento que foi ordenado por Deus para ungir um novo rei para Israel. Ele vê os irmãos de Davi (o ungido) por fora, porque eram formosos e pensa em ungir a Abinadabe, porem Deus lhe diz: eu não olho o exterior, olho para o coração.

Intelecto, sentimento²: dois sentidos da alma. O terceiro e último sentido é a vontade.

Cairo Pereira
Enviado por Cairo Pereira em 01/05/2012
Código do texto: T3643304
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