Aromas de Beira de Rio

Banheiro em casa todo mundo tinha, mas o bom mesmo era tomar banho no rio Araguaia, junto com os amigos. Cada um pegava seu sabonete e seguia para o rio, e a gente brincava de apostar de um tudo: quem ficava mais tempo dentro d’água sem respirar, quem ia mais no fundo e, na falta do que inventar , e como nenhum de nós sabia quanto custava nada, apostávamos quem acabava mais rápido um sabonete. Ficávamos ali em pé na beira do rio se esfregando, esfregando... Na cabeça era mais rápido e fazia mais espuma. Êita molecada boa de pêia!Ninguém nunca conseguiu acabar com um sabonete, e como o sistema de medida era falho a brincadeira sempre acabava em discussão. O João Cunha era econômico com o sabonete dele e arregava bem antes dos demais.

Dia desses, ao tomar banho usando um sabonete com esfoliante, senti falta de sabonete com cheiro de sabonete. Não sei você, mas eu penso que sabonete tem que ter cheiro de sabonete, porque hoje em dia eles têm cheiro de ervas, algas, de esquisito, de sei-lá-o-quê, e até de desinfetante; são isso, são aquilo, só faltam rejuvenescer o usuário. Nunca me acostumei com o tal do Dove que minha esposa tanto gosta. Esse, segundo o fabricante, tem poder hidratante, mas o que faz é deixar a pele melecada. Quando o uso, tenho a impressão de que não tomei banho. Sem falar que não tem cheiro de sabonete.

Antigamente era assim: tínhamos Gessy, Palmolive, Vale o Quanto Pesa, Lifebuoy, Solis, Lux luxo, Seiva de Alfazema, Cashimere Bouquet, e todos tinham quase o mesmo cheiro: Cheiravam a SABONETE. Tinham lá suas variações de aromas, mas a base era a mesma, o que fazia com que os cheiros fossem muito parecidos. Uma rara exceção era o Phebo, com seu aroma característico, mas que por ser mais caro que os demais não era largamente usado ou talvez porque muita gente não gostava do cheiro, pois preferiam cheiro de sabonete sabonete mesmo.

...E no final do dia, na beira do rio, era uma miscelânea de cheiros de tudo quanto era flor com cheiro de sabonete, misturado com aromas de xampu e creme rinse Colorama cor de rosa (produto... Bozzano!), creme Henê Marú, xampu jojoba,babosa, yamasterol. Alguns xampus vinham em pequenos sacos plásticos iguais ao que vinham com mel, e esses saquinhos de xampu ficavam pendurados nas prateleiras das vendas como a do seu Doca, dividindo espaço com a caninha tatuzinho, melzinho e pedras de isqueiro.

Com o tempo os aromas foram ficando cada vez mais “sofisticados” e começaram a surgir outros sabonetes. Como quem não queria nada surgiu um com nome de autoridade, e sem eleição, votação nem nada, se auto elegeu SENADOR. Não explicou se da república ou do império romano, mas continua aí, firme no poder. Timidamente veio também o Francis que não era Paulo; veio o Vinólia e sua “sensível diferença”, com suas propagandas com chuvas de pétalas e música à La Vivaldi e as quatro estações, e com muita mulher bonita andando em câmera lenta. Começou aí a mudar o cheiro de SABONETE.

Naquela época, na beira do rio, mesmo já tendo uma gama maior de cheiros mais modernos ainda imperava o cheiro de SABONETE, e até o creme rinse ganhou ares de chiqueza com a chegada da Niasy com poderoso NEUTROX amarelo. Aquilo sim! O cheiro era uma delícia e se sentido nos cabelos da namorada... Inesquecível. Há uns tempos atrás eu comprei um frasco só pra voltar a sentir aquele cheiro. Usei até acabar.

O que me fez lembrar tudo isso, e escrever essa bobeira, foi o tal do esfoliante. Será que realmente esse tipo de sabonete faz bem pra pele? Se fizer, nós, moleques de Araguacema devíamos ter a melhor pele do mundo, porque quando estávamos na beira do rio nos ensaboando era comum o sabonete cair sobre a areia e quando isso acontecia, dava-se uma enxaguada malemá no bicho e voltava a se ensaboar, digo, esfoliar, pois ele com a areia grudada ficava parecendo uma lixa. Ou melhor, parecendo um moderno sabonete esfoliante!

Ainda hoje, cá em São Paulo, longe da minha terra e do Araguaia, compro o Phebo, só pra sentir o cheirinho de antigamente. Cheiro da minha infância...

Aldir Lyra Zuma
Enviado por Aldir Lyra Zuma em 30/04/2012
Código do texto: T3641845
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