Nem tudo é verdade
Sócrates (470 a.C.-399 a.C.), filósofo grego, era um pensador cuja sabedoria sobrepujava em muito à dos conterrâneos. Dono de admirável autodomínio, não perdia a serenidade nem mesmo por causa de ofensas que recebesse de forma gratuita. Opondo-se ao sistema de vida dos concidadãos, foi condenado à morte. Aceitou-a sem nenhum protesto. Conta-se que, certa vez, envolvido em debate filosófico com discípulos, recusou-se a atender Xantipa, sua mulher, que o chamava com insistência e em tom cada vez mais alto. Depois de algum tempo, irritada com o descaso do marido, ela se aproximou e, sem que ele notasse, derramou-lhe uma vasilha de água na cabeça. Ele nem se moveu. Todo ensopado, comentou calmamente: “Era natural que, depois da trovoada, caísse uma tempestade”. De outra feita, um orgulhoso ateniense, muito convicto de sua importância pessoal, irritou-se por não receber de Sócrates a atenção que julgava merecer e o agrediu com violento pontapé. Surpresos com a não reação do mestre, os discípulos o questionaram se não ia tomar providência por ter sido ferido. Ele respondeu: “Ora, se um asno me desse um coice, eu deveria levá-lo ao tribunal?”.
É surpreendente como passa o tempo, mas a gente não muda. Bem observou Belchior, genialmente interpretado por Elis Regina – os mais jovens talvez não conheçam nenhum dos dois – “minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”. Por mais que nos ufanemos de progredir e de alcançar condição de vida melhor do que no passado, ainda continuamos cometendo os mesmos erros.
A sociedade pós-moderna que construímos só dá valor a quem conquistou dinheiro, cargo importante ou brilho social. Quem desfruta disso está acima do bem e do mal. Não precisa admitir que erra. No mundo competitivo em que vivemos, as pessoas estão armadas umas contra as outras. Nosso convívio social acabou tornando-se uma permanente luta de todos contra todos. Vige a lei do mais forte, a regra do “quem pode mais chora menos”. A partir do exemplo que vem de cima, ninguém aceita os próprios erros. Se algo não deu certo, a culpa só pode ser dos outros; jamais nossa. Baste um exemplo: no trânsito é mais fácil ouvir “desculpe” ou, ao contrário, “seu burro” (para não falar outra coisa)?
Somos falíveis. Com frequência caímos em falhas, inseparáveis de nossa pobre condição. Erros humanos quase sempre magoam pessoas à volta de quem os cometeu. De seres civilizados e, mais que isso, de cristãos, espera-se compreensão com as faltas alheias. E coragem de reconhecer as próprias.
Quem presta serviço voluntário não cansa de receber pontapé em vez de gratidão. Abre mão do próprio conforto, do uso do seu tempo, da convivência com familiares, até do seu dinheiro para prestar serviço à comunidade. Sem interesse pessoal, por pura bondade de coração. E o que ganha em troca? Crítica, chacota, ofensa à própria honra, por vezes. Com a invenção do blog, do twitter, do facebook, de tantos recursos informáticos ficou ainda mais fácil acabar com o nome de alguém. É só um tipo de maus bofes, indignado por não ver satisfeito um capricho qualquer, postar um comentário venenoso. Pronto! Foi para o brejo a honra de pessoa respeitável. Vá depois provar que focinho de porco não é tomada!