“ Dog watching tv”
Calma pessoal, ainda não enlouqueci, nem tão pouco fiquei esnobe. E muito menos sei inglês. Que meus diletos amigos fiquem tranquilos, continuo ignorante como sempre. A expressão em inglês acima é apenas para caracterizar a época em que estamos vivendo.
Convenhamos, leitor, se coloco o título em português, em tradução literal, “Cachorro assistindo TV”, ninguém me levaria a sério e pensariam logo que estaria tratando de uma peça de teatro infantil, de um desenho animado, ou coisa que o valha.
Mas, não! Quero tratar de um assunto realmente sério. De que o mundo virou de pernas pro ar e que as pessoas não estão conseguindo mais se entender.
Saímos das certezas absolutas para o relativismo cultural. Da realidade objetiva para a realidade subjetiva. Da matéria para a não matéria. A teoria quântica diz que a pedra que eu vejo na rua não existe, mesmo que eu dê um chute nela e arrebente com o meu dedão do pé.
Quem se der ao trabalho de estudar o caminhar da humanidade vai constatar esse vai e vem de opiniões e algumas poucas teorias chamadas científicas que possuem alguma solidez, mas que subitamente também se alteram e passam a condenar o que antes tachavam como indubitavelmente certo.
Na medicina, então, esse vai e vem é constante. O ovo, execrado como grande vilão, agora é mocinho. Na educação nem vou perder meu tempo em falar. Basta dizer que o que eu conheço de mais moderno é o livro do Piaget, cujo título já diz tudo: “Para onde vai a educação?” Quer dizer, até o nosso especialista suíço queria saber que rumo tomaria a educação. Para a felicidade dele, já morto, não está presenciando o que nós estamos vendo e não entendendo nada, igualzinho o cachorro vendo televisão. O mundo corre veloz, tudo parece se esfarelar...
Vou falar baixinho pra vocês uma coisa: bem no início da década de 70, podem acreditar, só eu e um cunhado meio malucão, corríamos na praia de Copacabana, todas as manhãs. E corríamos na areia, mesmo! Ninguém mais sequer andava nos calçadões da praia. A moda de andar e correr pelas ruas veio com o americano Cooper. Quando virou uma febre esse modismo, parei de correr. Nessa mesma época, eu e mais dez maluquinhos, incluindo o cunhado malucão, começamos a fazer Yoga . Pois bem, agora tem uma multidão de gente fazendo Yoga e ainda por cima pronunciando Yôga! Lógico, parei de fazer Yoga (pronúncia aberta, por favor).
Praia? Há muito tempo deixei de ir. Hoje mesmo vi uma fotografia da praia de Ipanema. Fiquei horrorizado: milhares de barracas e não se consegue visualizar um grão de areia .
Atualmente, estou mastigando 150 vezes os bocados de comida que ponho na boca e estou regularmente bebendo dois litros de água. Muita salada, pouca carne vermelha e uma caminhada leve de meia hora pela manhã.
Hoje fiquei sabendo de um movimento da população da cidade para que todos caminhem diariamente e que bebam exatamente dois litros de água por dia. Já sei o que vocês estão pensando: que vou parar com as minhas caminhadas e com a bebericação de água. Não é que vocês acertaram? Decididamente, cheguei à conclusão que sou avesso às multidões.
Guardarei segredo da nova filosofia de vida que estou inventando e da minha dieta, para não correr o risco de ser seguido e muito menos ser processado por danos morais, caso alguém se sinta prejudicado. E mais um segredinho: estou achando que tem muita gente estudando inglês, perceberam onde quero chegar?
Para ser coerente neste mundo de incoerências, vou terminar como comecei, tacando outra frase inglesa, ainda dentro do tema, que me foi enviada pela minha professora Ana Luiza: “ Suddenly, I found myself in the middle of a big mess. I admit I had no idea what was going on. I felt like a dog watching tv.” ( De repente, eu me vi no meio de uma tremenda confusão. Eu confesso que não estava entendendo o que estava acontecendo. Eu me senti perdido, como um cão vendo televisão, via tudo, mas não entendia nada).
Até segunda ordem, o cachorro vendo televisão é apenas uma metáfora para mostrar a confusão em que estamos metidos. Estivesse vivo o nosso atônito Piaget, por certo ele escreveria. “Para onde vamos, falando ou não inglês?” E eu responderia: - Não sei, mas estou muito propenso a “trancar” minha matrícula do idioma dos lordes.
Nota: Esta crônica, bem antiga e lida por muito poucas pessoas, no tempo em que ainda engatinhava no Recanto, estou republicando para atender meu amigo Ciro Fonseca, que me prefere como cronista, além de atender também a minha simpática e inteligente amiga "Eterna Zetética", que, ontem, com muito jeito fez a mesma reclamação do Ciro. A republicação é uma boa arma para, com jeitinho também, obrigarmos nossos amigos e amigas a lerem nossos rabiscos que ficaram esquecidos no tempo... Gdantas