Florianópolis, Brasil
28 de abril de 2012
Quarta-feira
QQ hora
Final do sétimo semestre.
Havíamos feito uma prova de revisão de uma das matérias mais complexas. Tratava-se do estudo das classes sociais e suas respectivas elites que se sucederam ao longo dos períodos históricos do Brasil e seus conflitos. Análise desde o Brasil a Colônia, o Império, a Primeira República. Estávamos estudando o pós-1930. Analisando aspectos da burguesia industrial e a burocracia. O divisor de águas que marcava o fim da aliança das elites patrimonialista e cafeeira. Surgindo, então, uma nova aliança dominante influenciada pelos setores voltados ao mercado interno do latifúndio mercantil A nova burguesia industrial e, também, a chamada moderna burocracia.
Convivíamos com excelentes autores como Caio Prado Jr., Celso Furtado e Ignácio Rangel; Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Raymundo Faoro; Hélio Jaguaribe, Guerreiro Ramos e tantos outros.
A Professora de História da Economia Brasileira era excelente. O tipo do professor legal, como comentávamos. Amiga de todos. Aulas extremamente participativas. As três janelas, do horário, passavam num vapt-vupt, rápida, ligeira, veloz.
Entretanto, havia o outro lado. Na hora da avalia não dava moleza. Era melhor se preparar, estudar para as provas. Caso contrário....
Aquele metro e meio de mulher atravessou o umbral da porta, a sua soleira.
Sobraçava duas pilhas de provas. As nossas provas. Aquelas que se não estudar era o nosso carma.
Depositou-as sobre a mesa. Encarou a turma emudecida. Tirou os óculos. Caminhou, em cima de suas canetas enfiadas num fino salto alto, de lá para Cá. Estava era sobre as tamancas, zangadíssima. Respiração, acelerada, ofegante e calada. Muda como aquela sala assustada e de caras pálidas.
Virou-se para a lousa. Verde de raiva, com um papelucho na mão, giz na outra, começou a gravar palavras em letras maiúsculas e garrafais:
A pequena professora agigantou-se. Após escrever a última das cacetadas, grifou uma a uma, sublinhando cada assassinato. Com ares de quem comeu e não gostou, virou-se para os perplexos alunos. Uns sorrindo amarelo. Outros, sérios e com cara de culpado. Olhou mais fixamente para algumas pessoinhas e lascou o verbo. Desceu a lenha. Passou uma descompostura.
- Onde já se viu? Alunos de sétima fase escrevendo na prova estas barbaridades?
Estou decepcionada com vocês. Da próxima vez, descontarei um ponto de cada palavra errada escrita nas provas. E digo mais, vai ter gente ficando com débito. Amanhã ou depois farão concurso e vão escrever: CONSCIÊNSIA; COMPROMIÇO; FUNSIONAL.
Iniciava nova relação de impropérios à língua portuguesa no outro quadro.
- Sabem o que vão ganhar? Sabem? Um Zero bem redondo! ZEEEROOO
Riscou uma grande circunferência ao lado, desenhando o futuro zero.
- Imaginem só escrever num processo, num despacho, numa consultoria palavras assim: SENSIVELMENTE , ENTERESSE, ESPANÇÃO DA EMPREZA. Sabem o que ocorrerá? Sabem? Vão ser despedidos. Vão para o olho da rua. Seria bem feito. Vocês hoje bem que mereceriam. Penúltima fase do curso de Economia e ainda não sabem escrever.
O inflamado discurso durou cerca de trinta minutos, e, em seguida concluiu.
- Chega! Estou à beira de um enfarte. No final da aula cada um que pegue a sua preciosidade. Reescrevam as palavras de forma correta pelo menos umas vinte vezes para não errarem mais. Tem mais. Não reclamem da nota. Na próxima Sexta feira haverá nova avaliação. ES-TU-DEMM...
Gravou, ameaçadoramente, na lousa, a última palavra. Um temível recado.Indicava uma tempestade iminente na próxima avaliação. Estava lá. Soletrada e grifada. Escrita e delineada na lousa. Derramando um medo no futuro, na próxima sexta feira, noutra avaliação.
- Agora, vou fazer uma rápida revisão da matéria.
Percebi que a exaltada professora não estava em condições físicas, nem psicológicas de continuar a aula. Ainda demonstrando todo o incômodo, tomou do apagador e foi, com muita energia, destruindo cada expressão ofensiva, injuriosa, infamante e de ação repreensível à língua pátria. Estava envolta por uma nuvem de pó de giz.
Naquela sala de aula ouvia-se a sinfonia dos mosquitos que furavam aquele pesado ar. O calor, daquela primavera, tornara-se insuportável. As roupas desconfortáveis. Olhares para cima e para baixo. Ninguém se encarava, nem para a direita, nem para a esquerda. Talvez para não demonstrar culpa. Todos encabulados, infelizes e anestesiados. Nenhum olho no fundo do olho de ninguém. A sala estava com cheiro de pó de giz.
Ainda esbaforida, ofegante e cheia de pressa subiu no tablado. Isto mesmo. Tablado. Minha escola exibia a arquitetura do século XIX.
Virou-se para a turma e falou.
- Bem! Trata-se de uma rápida revisão. Na próxima aula revisaremos o Brasil no período entre 1890 a 1930. Quem deseja iniciar o debate.
Vicente, um paraense, levantou as duas mãos.
- Fale Vicente.
- Esta sala esta cheinha de carapanã. Égua! Tem até Calango na parede.
Falou ao levantar-se para descontrair os colegas que riram das expressões e do jeito do paraense.
- Prófessora, agorinha ralhou prá mais de metro com a turma. Apontou enganos de português em nossa prova.
- Enganos! Não! Erros! Erros crassos. Um desastre. Uma calamidade.
- Que seja prófessora. Pior, que é verdade.
- Então! Ainda bem que concordas.
- A prófessora também cometeu um engano de português.
- Eu! Quando! Onde!
- Espia! Ali na lousa. No final.
A professora virou-se rapidamente para o quadro verde. Ficou estaqueada por alguns instantes. E num impulso pegou o apagador. Numa só lance sumiu com a ASTOCRACIA RURAL. Sem graça, encabulada e sem jeito virou-se para a turma.
- Acontece gente. Desculpa. Acho que acabei de entrar para a turma... Podem me dar um zero que também. Mereço...
Estava certo. Depois daquela bronca, repreensão, pitada na turma, qualquer escorregão seria um pecado capital.
(*) Imagem Google
28 de abril de 2012
Quarta-feira
QQ hora
Final do sétimo semestre.
Havíamos feito uma prova de revisão de uma das matérias mais complexas. Tratava-se do estudo das classes sociais e suas respectivas elites que se sucederam ao longo dos períodos históricos do Brasil e seus conflitos. Análise desde o Brasil a Colônia, o Império, a Primeira República. Estávamos estudando o pós-1930. Analisando aspectos da burguesia industrial e a burocracia. O divisor de águas que marcava o fim da aliança das elites patrimonialista e cafeeira. Surgindo, então, uma nova aliança dominante influenciada pelos setores voltados ao mercado interno do latifúndio mercantil A nova burguesia industrial e, também, a chamada moderna burocracia.
Convivíamos com excelentes autores como Caio Prado Jr., Celso Furtado e Ignácio Rangel; Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Raymundo Faoro; Hélio Jaguaribe, Guerreiro Ramos e tantos outros.
A Professora de História da Economia Brasileira era excelente. O tipo do professor legal, como comentávamos. Amiga de todos. Aulas extremamente participativas. As três janelas, do horário, passavam num vapt-vupt, rápida, ligeira, veloz.
Entretanto, havia o outro lado. Na hora da avalia não dava moleza. Era melhor se preparar, estudar para as provas. Caso contrário....
Aquele metro e meio de mulher atravessou o umbral da porta, a sua soleira.
Sobraçava duas pilhas de provas. As nossas provas. Aquelas que se não estudar era o nosso carma.
Depositou-as sobre a mesa. Encarou a turma emudecida. Tirou os óculos. Caminhou, em cima de suas canetas enfiadas num fino salto alto, de lá para Cá. Estava era sobre as tamancas, zangadíssima. Respiração, acelerada, ofegante e calada. Muda como aquela sala assustada e de caras pálidas.
Virou-se para a lousa. Verde de raiva, com um papelucho na mão, giz na outra, começou a gravar palavras em letras maiúsculas e garrafais:
QUIZER; RESISTRADO, TESTO, ENDERESSAR, ESCLUSIVAMENTE, ESCLUÍDO, OBIJETIVOS, EXCESSÃO, NESSECIDADES, ENDEREITAR, COLONISAÇÃO, PROSSEÇAMENTO, CONVINCENTE, ARBRÍTIO, LATEFUNDIO, DECADÊNSIA ECONÔMICA, LATEFUNDIÁRIO...
A pequena professora agigantou-se. Após escrever a última das cacetadas, grifou uma a uma, sublinhando cada assassinato. Com ares de quem comeu e não gostou, virou-se para os perplexos alunos. Uns sorrindo amarelo. Outros, sérios e com cara de culpado. Olhou mais fixamente para algumas pessoinhas e lascou o verbo. Desceu a lenha. Passou uma descompostura.
- Onde já se viu? Alunos de sétima fase escrevendo na prova estas barbaridades?
Estou decepcionada com vocês. Da próxima vez, descontarei um ponto de cada palavra errada escrita nas provas. E digo mais, vai ter gente ficando com débito. Amanhã ou depois farão concurso e vão escrever: CONSCIÊNSIA; COMPROMIÇO; FUNSIONAL.
Iniciava nova relação de impropérios à língua portuguesa no outro quadro.
- Sabem o que vão ganhar? Sabem? Um Zero bem redondo! ZEEEROOO
Riscou uma grande circunferência ao lado, desenhando o futuro zero.
- Imaginem só escrever num processo, num despacho, numa consultoria palavras assim: SENSIVELMENTE , ENTERESSE, ESPANÇÃO DA EMPREZA. Sabem o que ocorrerá? Sabem? Vão ser despedidos. Vão para o olho da rua. Seria bem feito. Vocês hoje bem que mereceriam. Penúltima fase do curso de Economia e ainda não sabem escrever.
O inflamado discurso durou cerca de trinta minutos, e, em seguida concluiu.
- Chega! Estou à beira de um enfarte. No final da aula cada um que pegue a sua preciosidade. Reescrevam as palavras de forma correta pelo menos umas vinte vezes para não errarem mais. Tem mais. Não reclamem da nota. Na próxima Sexta feira haverá nova avaliação. ES-TU-DEMM...
Gravou, ameaçadoramente, na lousa, a última palavra. Um temível recado.Indicava uma tempestade iminente na próxima avaliação. Estava lá. Soletrada e grifada. Escrita e delineada na lousa. Derramando um medo no futuro, na próxima sexta feira, noutra avaliação.
- Agora, vou fazer uma rápida revisão da matéria.
Percebi que a exaltada professora não estava em condições físicas, nem psicológicas de continuar a aula. Ainda demonstrando todo o incômodo, tomou do apagador e foi, com muita energia, destruindo cada expressão ofensiva, injuriosa, infamante e de ação repreensível à língua pátria. Estava envolta por uma nuvem de pó de giz.
Naquela sala de aula ouvia-se a sinfonia dos mosquitos que furavam aquele pesado ar. O calor, daquela primavera, tornara-se insuportável. As roupas desconfortáveis. Olhares para cima e para baixo. Ninguém se encarava, nem para a direita, nem para a esquerda. Talvez para não demonstrar culpa. Todos encabulados, infelizes e anestesiados. Nenhum olho no fundo do olho de ninguém. A sala estava com cheiro de pó de giz.
Ainda esbaforida, ofegante e cheia de pressa subiu no tablado. Isto mesmo. Tablado. Minha escola exibia a arquitetura do século XIX.
REVISÃO
SEGUNDO REINADO (1840-1889)
ECONOMIA
LATIFUNDIOS
CAFEICULTURA
MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICO
NORMALIZAÇÃO DO COMÉRCIO EXTERIOR (REINO UNIDO)
AS CLASSES SOCIAIS
CLASSE MÉDIA URBANA
ASTOCRIACIA RURAL
Olhos nos olhos. Na direita e na esquerda. Sorrisos lascivos. Cochicho geral.SEGUNDO REINADO (1840-1889)
ECONOMIA
LATIFUNDIOS
CAFEICULTURA
MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICO
NORMALIZAÇÃO DO COMÉRCIO EXTERIOR (REINO UNIDO)
AS CLASSES SOCIAIS
CLASSE MÉDIA URBANA
ASTOCRIACIA RURAL
Virou-se para a turma e falou.
- Bem! Trata-se de uma rápida revisão. Na próxima aula revisaremos o Brasil no período entre 1890 a 1930. Quem deseja iniciar o debate.
Vicente, um paraense, levantou as duas mãos.
- Fale Vicente.
- Esta sala esta cheinha de carapanã. Égua! Tem até Calango na parede.
Falou ao levantar-se para descontrair os colegas que riram das expressões e do jeito do paraense.
- Prófessora, agorinha ralhou prá mais de metro com a turma. Apontou enganos de português em nossa prova.
- Enganos! Não! Erros! Erros crassos. Um desastre. Uma calamidade.
- Que seja prófessora. Pior, que é verdade.
- Então! Ainda bem que concordas.
- A prófessora também cometeu um engano de português.
- Eu! Quando! Onde!
- Espia! Ali na lousa. No final.
A professora virou-se rapidamente para o quadro verde. Ficou estaqueada por alguns instantes. E num impulso pegou o apagador. Numa só lance sumiu com a ASTOCRACIA RURAL. Sem graça, encabulada e sem jeito virou-se para a turma.
- Acontece gente. Desculpa. Acho que acabei de entrar para a turma... Podem me dar um zero que também. Mereço...
Estava certo. Depois daquela bronca, repreensão, pitada na turma, qualquer escorregão seria um pecado capital.
(*) Imagem Google