Nós, vós, eles (os perdidos da UNESP)
Segunda-feira passada fiquei sabendo por meio de um site de notícias da minha cidade sobre o "Cine APG", projeto desenvolvido pela Associação dos Pós-Graduandos (APG) da UNESP. No dia seguinte, 24/03, seria exibido o premiado filme "O artista". Para mim foi uma novidade bastante interessante, mas depois, explorando mais notícias do site, percebi que outros filmes já tinham sido exibidos. Não havia, então, novidade. Eu, usando aquela conhecida e já gasta frase, "não sabia o que estava perdendo". Convidei minha namorada, ela gostou da idéia e combinamos de ir ver o filme. Minha única preocupação é que o lugar estivesse lotado, pelo evento ser gratuito. Mesmo assim, providenciamos água e bolachinha e fomos até lá. Mas antes, passamos no posto para calibrar os pneus - inclusive o estepe - do "zé lelé".
Ao chegar, logo na portaria, os vigias NÃO SABIAM o local do cine. Fiz um grande esforço de memória e me lembrei do local informado na notícia: "Anfiteatro 2". Lembrei também, de outras visitas, daquelas amplas salas com uma baita lousa, instaladas em prédios arredondados. Estes ficavam próximos das agências bancárias. Coincidência ou não, minha namorada sugeriu pararmos o carro ali perto. Após estacionar, olhei o relógio: seis e meia em ponto. Este era o horário marcado para o começo da sessão. Apertamos o passo, cruzando os dedos para que o filme não tivesse começado. Teríamos que pedir informação e ainda conseguir chegar antes do início do filme. Torcíamos pelo atraso da sessão. Precisávamos de sorte.
Chegamos a um prédio que eu imaginava ser um dos anfiteatros. Estava tudo aceso, botei a cara na porta e lá embaixo, depois das escadas, três rapazes preparavam equipamentos de áudio e vídeo. Perguntei se o filme seria exibido ali. Eles disseram que não. Estava marcada uma palestra para aquela sala. Começamos a perguntar para todos os que encontrávamos na frente. Eu tinha certeza de que os vigias estariam informados. Não estavam! Tinha certeza de que os alunos sentados nas escadas à frente dos vários prédios por quais passamos saberiam nos orientar. Não sabiam! Minha certeza se desfez como uma pulga que errou de cálculo durante o pulo e caiu na fogueira! Ninguém sabia. Ninguém! Existe uma música da banda evangélica de Rock "Fruto Sagrado", cujo tema NADA tem a ver com esta história, mas que tem uma frase que curiosamente me vinha à cabeça a cada tentativa frustrada de conseguir informação: "pior do que estar perdido fora de casa é estar perdido dentro da própria casa". Teria sido menos difícil encontrar o esconderijo do Bin Laden se o pobre-diabo já não estivesse morto.
Até cogitei pedir para que um dos vigias anunciasse nos alto-falantes que estávamos à procura do pessoal, mas imaginei que eles não fossem fazer este favor àquela hora da noite. Isto é, se existisse tal sistema instalado no campus. Como ninguém sabia de nada, comecei a acreditar que o "Cine APG" coordenava eventos da programação de uma sociedade secreta. Ou então de uma seita.
Corríamos para lá e para cá. Parecíamos procurar um baleado perdido que caiu do helicóptero ali na área da UNESP.
Mastigando a saliva de tanta raiva, subindo morros na pernada e macetando minhoca na sola do pisante, passamos atrás dos alojamentos do Colégio Agrícola. Tive medo de nos confundirem com ladrões naquela escuridão, e sermos alvejados com objetos estranhos e perigosos, como camisinhas usadas. Senti uma tremedeira tão grande que até doeu nas costas.
Sete e dez. Pronto. Utilizando o bordão de um velho amigo da roça, o filme já tinha ido "pros quiabo da lavági dos porco". Ainda assim continuamos a busca. O objetivo agora era despejar por meio do gogó e do hálito nossa indignação para os organizadores. Vieram à minha cabeça, de repente, aqueles banners informando sobre cursos na entrada do campus. Dava vontade de voltar em casa, produzir um destes e lá pendurar, com o termo "UNESPerdidos". Chegamos perto de um dos banheiros. Eu já estava cansado e bufando. Falei para a minha namorada: "já que 'tá tudo f&%*$#@ 'memo', 'guentaí' que eu vou dar uma mijada". Não cheguei a entrar no banheiro porque notei que vinha som da edificação ao lado. Dei a volta e fui até lá.
O portão estava entreaberto, as lâmpadas apagadas e um "pisca-pisca" de luzes brancas e azuis reluzia lá no fundo da alma, sensação típica de quem observa uma sala de cinema pelo lado de fora. Suspeitei que fosse ali o lugar que procurávamos. Não entrei de imediato, dei a volta para ver se havia outras portas abertas. Nenhuma. Fui até o portão principal mesmo. Dei uma espiada e vi uma moça lá dentro. A luz era projetada por um Datashow. Notei também uma telinha de Notebook acesa. De lá mesmo gritei para a Miriam, que ainda me esperava ir ao banheiro: "eu acho que o filme é aqui! Mas só tem uma pessoa assistindo!". Fui urinar rapidinho e, na volta, entramos no prédio. Perguntamos para a moça que lá estava se era ali que ia acontecer a sessão. Ela confirmou e nos informou que NINGUÉM compareceu para assistir. Ninguém! (sim, você já viu este efeito de repetição dramática neste texto). Soubemos também que o local do cine foi mudado NA ÚLTIMA HORA, para aquele prédio. A moça o identificou como "sala 33". Assim, cinéfilo nenhum aguenta, meu filho!
Foi difícil conversar com a moça. Ela falava muito baixo! Enquanto falávamos com ela (e falamos TUDO o que tinha que ser falado, sobre falta de comunicação, inclusive), cheguei a fazer com a mão aquele sinal que os músicos e maestros fazem, que significa "aumenta o volume". Eu já ia dizer "solta essa voz, companheira!", mas hesitei. Pensei duas vezes e preferi tentar entendê-la naquele volume mesmo. Me concentrei nos movimentos dos lábios dela procurando reconhecer as sílabas, porém sem sucesso. Mesmo atrasados e só nós dois lá para assistir, ela fez questão de colocar o filme. (ela assistia a outro, já que "O artista" ela já tinha visto). Agradecemos a gentileza dela. Mais tarde, depois da sessão, Miriam, que inexplicavelmente entendia o que ela falava, me explicou que o número máximo que a moça conseguiu reunir para a sessão em edições passadas foi meia dúzia!
Subimos os degraus da arquibancada e nos acomodamos, enquanto a moça providenciava o início do filme. Não havia poltronas ali, apenas aquelas carteiras de um braço. Uma pena. Reparamos que ela tirou da bolsa uma cópia pirata (!) em DVD. O filme seria exibido por meio de um Notebook, ao invés de um aparelho de DVD. Ela carregou o software, que tentou fazer a leitura do disco. Deu erro. Cochichei com a Miriam: "Agora só falta o DVD não rodar". Ela não se conteve e ficou roxa de tanto rir. Eu, pelo contrário, fiquei preocupado, quase rezando para que o meu palpite não se transformasse em praga. Na segunda tentativa, o filme começou!
Tenho mania de fazer comentários durante o filme. É lógico que quando estou no cinema, falo em voz baixa para não atrapalhar ninguém. E lá na UNESP eu conversava em voz alta. Era até estranho não ser necessário ter cuidado com o volume da voz.
Um curioso detalhe sobre o filme: os cenários pareciam "incompletos". Uma imensa escadaria aparecia "cortada" nas partes de cima e de baixo e só se podia ver os pezinhos dos figurantes movimentando-se, calçando bonitos modelos de sapatos. Estes quase se tornaram protagonistas, tamanho o brilho conseguido com a graxa. Por algumas vezes, os expressivos sapatos tiraram minha atenção sobre o que acontecia no primeiro plano. A princípio pensei tratar-se de uma técnica diferente de produzir as cenas, ou que representasse as dificuldades de filmagem da época ou ainda que aquela estranheza fosse marca registrada do diretor. Mas quando apareceram títulos e mensagens cortadas ao meio, fiz cara de desiludido e mudei de idéia rapidinho. Foi nesta hora que lembrei do menu principal do filme, aparentemente criado de forma caseira, com a ajuda daqueles programinhas de editar DVD. A letra amarelo-abacaxi da primeira mensagem dizia "legendas por 'fulano de tal' ", o que sugere que o filme foi baixado da Internet e traduzido por um distribuidor aloprado.
Uma hora deu coceira bem na sola e não hesitei: tirei o tênis, a meia e cocei o pé demoradamente. Além de não ter ninguém ali, estava escuro, o que me fez ficar bem à vontade. Nem minha namorada, sentada ao meu lado percebeu. Me senti "o" ninja!
Nesta noite repleta de anedotas ocasionadas pelas desventuras, ganhamos uma senhora sessão de cinema, e (vejam só!) eu já ia terminando a história sem fazer comentários sobre o filme, que é sensacional! Um espetáculo! Os detalhes da história vocês podem encontrar nas resenhas publicadas em sites especializados por aí. Para o resto do mundo, que não compareceu à sessão, aconselho: assistam ao DVD! Recomendo! De preferência o original.