Lugares históricos
Dê nome ao bar. Bar Laminha. Alguns protestos, algumas perorações entre tosses. Laminhas. Era melhor no plural. Com o passar dos anos surgiria filial. “Boteco Plural” com a banda “Ernesto e os cavaquinhos”. O Boteco Plural era uma espécie de “filial tóxica” do Laminhas com banheiros temáticos. WC especial com direito a bloco de papel para escritores de latrina. O ponto alto: Raimundo filosofando sobre o papel da literatura de latrina no contexto quadriculado da erudição. A literatura de latrina com a implacável nudez sem compaixão da alma. Fenômeno estupidamente gratuito.
Por incrível que pareça no Bar Laminhas tudo era limpinho. Abrolhava no olfato habitual os mais diversos aromas produzidos pelos desinfetantes importados. Tinha que ser importado porque a novidade é tudo o que se importa, mesmo que seja fornecido pelo vizinho.
Quem poderia esquecer as garçonetes polpudas de amarelo deslizando sobre o azulejo azul? Carregavam as mais deliciosas cervejas como se Deus descesse de um carro para servir cada uma delas. Pairavam no ar elétricas com marés de risos que perduravam até altas horas. O Bar Laminhas servia para calar a boca de quem desconhecia a residência da felicidade.
A terra inteira havia se curvado aos seus encantos. Mal desmaiava o primeiro azul na barra da noite... A ideia era suprir o dia com a presença desse ambiente versátil nessa presença de garçonetes polpudas. Gente animada procurando temperatura humana e beijos ainda que vagos.
Os comentários sobre o Bar Laminhas nunca chegaram a versar sobre uma possível higienização duvidosa. Jamais entorpeceu a sanidade lírica tal impostura. O pastel era de vento, mas todo mundo gostava. Tudo era paz sublime da madrugada redefinida pelos olhos de neblina. Amanhecia o dia e a imaginação recuperada dava sinais de bem estar.
Imóvel da Rua Sete. Se-te. Número zero. Muito chope. Nuvens de chope que desaguavam coroando de cordialidade tranquila toda presença amiga. As mulheres do Laminhas bailavam seus corpos entre mesas gulosas de tanta felicidade. Mulheres boas com seu poder de fogo lírico entre seios e frutais. Sorrisos divertidos de tantos místicos libertinos. Estrelas cintilantes namorando estrelas recontadas pelo trajeto resultante das tequilas mágicas, das fornicações fáceis, das ligeiras atitudes febris que arrancavam gritinhos maduros, febris sobre a alegria insone.
A embriaguez das mãos em teus quadris. Retrato animado da lembrança física como um guarda-roupa completo de ausência fixada na saudade.
Do Laminha só voltava sozinho quem queria. A boemia dançava repleta de vida bela. Próspera de haxixe adorável em cenário sutil embriagante de luzes viciosas embelezando sem medo, sem compulsões extravagantes, sem crimes. Da noite como nos sonhos ardentes sobrevinham artistas. Mágicos, desenhistas, pintores, atores, para discretos espetáculos reais na borda das taças. Quem poderá compreender o desaparecimento da mulher do mágico? Desenhista sobre o croqui de guardanapo branco, traçando a mulher que sempre quis. Do pintor que zombava da escuridão humana numa pincelada por um triz.
No Laminhas tudo era festejado. Era possível, beber, fumar, dialogar, derrubar tirania, emprestar livro: Malagueta, Perus e Bacanaço. Havia sexo na elegância dos olhares mais discretos varando luzes coloridas. Aos poucos tudo passava de comum a matéria legislada, proibida, controlada. (Triste á título de atletismo). Permaneceu até hoje o proibido fumar na beira da lagoa durante o passeio noturno. Proibido cheirar a cidade como resultado impossível da luta incansável. Cínico banho de sabão nesse urbano modo de escrever a vida pelas frases do mundo ralo.
**********************
Primeira Edição.
No prelo virtual: Fantasia das Páginas