História de Caserna
HISTÓRIA DE CASERNA
Parecia mais um oficial da gestapo de Hitler, no auge do nazismo, pelas atitudes drásticas que impunha aos seus subordinados, os recrutas. A sua patente era apenas de 3º sargento, sem qualquer possibilidade de ascender a outro posto. Faltava-lhe preparo intelectual, embora tivesse feito o curso ginasial em Salvador, como dizia, mas que ninguém acreditava. Cometia erros crassos de português. Chamava guarita de gurita; estepe (pneu sobressalente) de estrepe; calota de carlota; e tantos outras barbaridades contra o nosso idioma. "Isso é um analfa puxa-saco", ouvia-se dos soldados, quando virava as costas. Salvava-o a letra bonita, quase desenhada, de que era dono, graças às aulas de caligrafia que, naquela época, ministravam nas escolas primárias, hoje relegadas, para tristeza de quem tem que ler, hoje em dia, um receituário-médico.
Comentava-se no quartel, onde servia, que chegou àquela patente pelas bajulações aos seus superiores hierárquicos. Era do conhecimento geral que nenhum curso de preparação fizera para receber as três divisas que, orgulhosamente, ostentava no braço.
Iniciou-se na vida militar como soldado raso, convocado, pela classe de 1931, para servir num batalhão sediado em Feira de Santana, na Bahia, sua terra natal. Logo que foi promovido a cabo, fora transferido para Salvador.
Poucos anos se passaram e logo criou fama no meio da soldadesca. Já era bem conhecido o temeroso sargento Lima - a fera, assim cognominado pelos seus subalternos.
Mesmo na sua imponência de sargentão, em suas folgas, oferecia-se aos oficiais graduados para serviços domésticos, até de faxineiro, em suas residências. O seu capachismo chegava ao ponto de acompanhar as esposas dos coronéis às compras em mercados e mercearias da cidade. Era de uma subserviência invulgar.
Foi assim, diziam à boca pequena, que galgou aqueles pequenos degraus da sua carreira militar. E só.
Disciplinado, cumpria à risca as suas obrigações para com o batalhão a que servia. Nas instruções aos seus comandados, era de seu costume encher o peito e gritar, histérico, que "o amor à Pátria está acima de tudo, seus cabeças-de-bagre"!
O seu uniforme era de uma nitidez impecável. O tecido verde-oliva reluzia à luz do sol. Na altura do peito esquerdo da sua túnica destacavam-se duas medalhas, que, segundo comentários, foram adquiridas em loja especializada, já que nenhum feito heróico era atribuído ao sargento Lima. Os sapatos e coturnos, engraxados e escovados diariamente, reluziam até nos sombrios corredores do quartel.
E aquela disciplina sempre fez questão de impor aos recrutas, em cima dos quais deitava e rolava. Não tinha piedade. A sua maldade chegava ao ponto de o julgarem anormal, doente, sádico, na humilhação imposta aos recrutas. Nunca se dirigiu aos subalternos com boas maneiras. Era aos gritos e empurrões, por mais simples que fosse o erro, ou engano, cometido. Certa vez,contam, num exercício de campo, simulando guerra de guerrilha, ordenou que um dos soldados se sentasse num formigueiro. De outra feita, que destruísse com as mãos uma casa de marimbondos. Assim, exclamava, o soldado demonstrava a sua bravura, quando necessário fosse, na defesa da "mãe-Pátria". Empecilhos dessa natureza poderiam encontrar à frente num campo de batalha de verdade. Bradava a todo fôlego.
Por desobediência, para servir de exemplo, um recruta foi enclausurado num cubículo desagradável, por dois dias.
Depois que o sargento Lima foi reformado, entre outras, essa estória abaixo era contada no quartel, e mesmo nas rodinhas dos bares da cidade, envolvendo um dos seus comandados - o soldado Araújo.
O recruta recebeu do seu temido e respeitado "chefe" a infeliz incumbência de levar uma encomenda à sua esposa, em sua residência num bairro de Salvador. O soldado viu naquilo a sua grande oportunidade de fazer a maior média de sua vida, prestigiando-se, assim, com seu "comandante" imediato. Partiu que era só sorrisos...
E, feliz da vida, chegou à casa do sargento Lima.
- Ôh de casa!... Deu uma, duas, três batidas, com a mão direita fechada, na pesada porta de jacarandá-da-Bahia da residência do "chefe".
Então, uma voz pausada, quase cantada soou lá de dentro:
- Quem éééé...? E logo surgiu à sua frente a figura negra de uma mulher gorda, uma típica baiana, lembrando uma daquelas vendedoras de acarajé do Pelourinho, nos seus quase 100 quilos de envergadura (calculou o soldado).
- Quero falar com a madame! Com a tua patroa! Com a esposa do sargento Lima! Gritou o "praça", com o embrulho debaixo do braço.
- Sou eu mesma, dona Beatriz, esposa do Lima.
Araújo não acreditou no que viu. E exasperou-se:
- O quêêê...! Deixa de prosa, negona! Vai chamar a tua patroa!
- Olha aqui! Escuta bem! Você vai se arrepender amargamente do dia que nasceu seu recruta de merda! Me respeite! Vou telefonar agora mesmo pro Lima. E tu vai ver o que vai te acontecer!!!
Araújo, sem outra alternativa, jogou o pacote nos pés da enfezada mulher, deu meia-volta e nunca mais retornou ao quartel. Foi considerado desertor.
Quando em casa, conforme os fofoqueiros de plantão, o sargento Lima não passava de um bem-comportado e obediente cidadão brasileiro, na "coleira" de dona Beatriz.
HISTÓRIA DE CASERNA
Parecia mais um oficial da gestapo de Hitler, no auge do nazismo, pelas atitudes drásticas que impunha aos seus subordinados, os recrutas. A sua patente era apenas de 3º sargento, sem qualquer possibilidade de ascender a outro posto. Faltava-lhe preparo intelectual, embora tivesse feito o curso ginasial em Salvador, como dizia, mas que ninguém acreditava. Cometia erros crassos de português. Chamava guarita de gurita; estepe (pneu sobressalente) de estrepe; calota de carlota; e tantos outras barbaridades contra o nosso idioma. "Isso é um analfa puxa-saco", ouvia-se dos soldados, quando virava as costas. Salvava-o a letra bonita, quase desenhada, de que era dono, graças às aulas de caligrafia que, naquela época, ministravam nas escolas primárias, hoje relegadas, para tristeza de quem tem que ler, hoje em dia, um receituário-médico.
Comentava-se no quartel, onde servia, que chegou àquela patente pelas bajulações aos seus superiores hierárquicos. Era do conhecimento geral que nenhum curso de preparação fizera para receber as três divisas que, orgulhosamente, ostentava no braço.
Iniciou-se na vida militar como soldado raso, convocado, pela classe de 1931, para servir num batalhão sediado em Feira de Santana, na Bahia, sua terra natal. Logo que foi promovido a cabo, fora transferido para Salvador.
Poucos anos se passaram e logo criou fama no meio da soldadesca. Já era bem conhecido o temeroso sargento Lima - a fera, assim cognominado pelos seus subalternos.
Mesmo na sua imponência de sargentão, em suas folgas, oferecia-se aos oficiais graduados para serviços domésticos, até de faxineiro, em suas residências. O seu capachismo chegava ao ponto de acompanhar as esposas dos coronéis às compras em mercados e mercearias da cidade. Era de uma subserviência invulgar.
Foi assim, diziam à boca pequena, que galgou aqueles pequenos degraus da sua carreira militar. E só.
Disciplinado, cumpria à risca as suas obrigações para com o batalhão a que servia. Nas instruções aos seus comandados, era de seu costume encher o peito e gritar, histérico, que "o amor à Pátria está acima de tudo, seus cabeças-de-bagre"!
O seu uniforme era de uma nitidez impecável. O tecido verde-oliva reluzia à luz do sol. Na altura do peito esquerdo da sua túnica destacavam-se duas medalhas, que, segundo comentários, foram adquiridas em loja especializada, já que nenhum feito heróico era atribuído ao sargento Lima. Os sapatos e coturnos, engraxados e escovados diariamente, reluziam até nos sombrios corredores do quartel.
E aquela disciplina sempre fez questão de impor aos recrutas, em cima dos quais deitava e rolava. Não tinha piedade. A sua maldade chegava ao ponto de o julgarem anormal, doente, sádico, na humilhação imposta aos recrutas. Nunca se dirigiu aos subalternos com boas maneiras. Era aos gritos e empurrões, por mais simples que fosse o erro, ou engano, cometido. Certa vez,contam, num exercício de campo, simulando guerra de guerrilha, ordenou que um dos soldados se sentasse num formigueiro. De outra feita, que destruísse com as mãos uma casa de marimbondos. Assim, exclamava, o soldado demonstrava a sua bravura, quando necessário fosse, na defesa da "mãe-Pátria". Empecilhos dessa natureza poderiam encontrar à frente num campo de batalha de verdade. Bradava a todo fôlego.
Por desobediência, para servir de exemplo, um recruta foi enclausurado num cubículo desagradável, por dois dias.
Depois que o sargento Lima foi reformado, entre outras, essa estória abaixo era contada no quartel, e mesmo nas rodinhas dos bares da cidade, envolvendo um dos seus comandados - o soldado Araújo.
O recruta recebeu do seu temido e respeitado "chefe" a infeliz incumbência de levar uma encomenda à sua esposa, em sua residência num bairro de Salvador. O soldado viu naquilo a sua grande oportunidade de fazer a maior média de sua vida, prestigiando-se, assim, com seu "comandante" imediato. Partiu que era só sorrisos...
E, feliz da vida, chegou à casa do sargento Lima.
- Ôh de casa!... Deu uma, duas, três batidas, com a mão direita fechada, na pesada porta de jacarandá-da-Bahia da residência do "chefe".
Então, uma voz pausada, quase cantada soou lá de dentro:
- Quem éééé...? E logo surgiu à sua frente a figura negra de uma mulher gorda, uma típica baiana, lembrando uma daquelas vendedoras de acarajé do Pelourinho, nos seus quase 100 quilos de envergadura (calculou o soldado).
- Quero falar com a madame! Com a tua patroa! Com a esposa do sargento Lima! Gritou o "praça", com o embrulho debaixo do braço.
- Sou eu mesma, dona Beatriz, esposa do Lima.
Araújo não acreditou no que viu. E exasperou-se:
- O quêêê...! Deixa de prosa, negona! Vai chamar a tua patroa!
- Olha aqui! Escuta bem! Você vai se arrepender amargamente do dia que nasceu seu recruta de merda! Me respeite! Vou telefonar agora mesmo pro Lima. E tu vai ver o que vai te acontecer!!!
Araújo, sem outra alternativa, jogou o pacote nos pés da enfezada mulher, deu meia-volta e nunca mais retornou ao quartel. Foi considerado desertor.
Quando em casa, conforme os fofoqueiros de plantão, o sargento Lima não passava de um bem-comportado e obediente cidadão brasileiro, na "coleira" de dona Beatriz.