COMUNICAÇÃO MUDA

Dedico ao desocupado e curioso leitor

O nosso corpo precisa não só de coisas para comer, precisa de mais. Quem nos diz isso são os textos sagrados que afirmam: "Não só de pão o homem viverá". O pão é pouco, ele precisa também de alegrias e carinhos. Ele transborda as águas que vão subindo, e elas saem dele, como um deserto seco que vira oásis regado. É assim: "neste corpo tão pequeno, tão efêmero, vive um universo inteiro" (Rubem Alves).

O corpo não é só fonte que transborda: é colo que acolhe. A mão que segura a outra, o ouvido que ouve o lamento, em silêncio, sem nada dizer... O corpo transborda e fertiliza o mundo e o mundo se transforma... Tão simples, tão belo.

O corpo fala linguagens que desconhecemos e uma delas é o abraço. Há abraços deliciosos que são verdadeiras delicias dos céus. Esses abraços preenchem os espaços dos nossos corações, aqueles espaços em que Deus não pode preenchê-los. E um desses espaços é a saudade. "A saudade é flor que só floresce na ausência. É nela que se dizem as orações suplicando dos deuses a graça da repetição da beleza. E é só para que isso que existem os deuses: para garantir o retorno do belo" (Rubem Alves).

Quando acontece o reencontro, experimentamos a felicidade perdida. Nosso corpo se modifica e sentimos coisas que nunca tínhamos sentido antes, como se os nossos sentimentos que estavam dormindo despertassem do sono em que estavam. Creio que no abraço nós expressemos a nossa interioridade, a nossa intimidade. O abraço revela quem somos, ele nos desnuda, mostra o nosso coração para o outro. É como se disséssemos: "como meu coração pode ser seu, sem deixar de ser meu"? Através dele os dois corações abrem seus portões e voam um em direção ao outro.

Com o abraço faço a experiência mais primordial da vida humana: entro em contato com o misterioso e fascinante mundo da outra pessoa. O abraço faz com que ela passe a morar dentro de mim, pois "tu te tornar eternamente responsável por aquilo que cativas", dizia a raposa para o principezinho.

Assim, cada abraço é uma comunicação de duas solidões. O que nos salva da solidão é a solidão de cada um dos outros. Às vezes, quando duas pessoas estão juntas, apesar de falarem, o que elas comunicam silenciosamente uma à outra é o sentimento de solidão expressa em um abraço.

Ramires karamázov
Enviado por Ramires karamázov em 25/04/2012
Reeditado em 03/10/2016
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