DDD - Diário de Derrotas [29]
Lembro que deitei pra dormir umas onze da noite. Lembro que havia deitado com as gatas. Lembro que apaguei rapidinho.
Não faço idéia de que horas são agora. Acordei tem uns trinta segundos. Acordei com uma das gatas deitada no meu pescoço e com a outra pra lá e pra cá, miando. Sei lá o que essa criatura quer. Então ela sossega e eu ouço um barulho de peido e dou uma risada. "A filha da mãe deve ter cagado em cima do meu cobertor", penso. Mas tenho preguiça até de dar de ombros, então espero subir o cheiro para averiguar, e como ele não sobe, simplesmente adormeço novamente.
Acordo com esse despertador tocando, mas ainda nem amanheceu. Quinze pras seis da manhã. Eu acordo sem sono. Muito bem disposto. É o despertador diário que coloco pra ir na academia que tem mais perto de casa fazer inscrição e treinar. E nunca vou.
Mas a cama tá tão boa.
O cobertor também.
Essas duas coisinhas deitadas na minha barriga.
Coloco pra despertar às sete e capoto.
07h30m
Só agora consegui levantar. Não sei o que acontece que, quando acordo antes do despertador, fico totalmente desperto, com a sensação de ter um pique de atleta louco, e então, após ser subjugado pela preguiça e acabar voltando a dormir, quando acordo com o maldito, meu pique se transforma numa miséria abissal.
Não sei se consigo me fazer entender, mas o importante é que me sinto uma grande merda nessas horas.
07h35m
Por falar em merda, andei tendo uns problemas pela falta dela e tive que sair comprando litros de Activia. Agora tomo essa coisa aqui sem nem querer pensar no que poderá acontecer se não houver uma reação imediata do meu organismo.
Vocês sabem: o melhor amigo do homem é o bom funcionamento de suas tripas pela manhã.
07h55m
Por falar em merda: a gata, de fato, cagou no meu cobertor.
08h30m
Bom, presumo que estou perdendo a lotação a apenas 20 metros dela por causa dos 40 segundos que fiquei tentando tirar uma foto das gatas penduradas no meu pescoço; eu havia abaixado pra amarrar o cadarço e as duas foram me escalando e lá ficaram. Tirei três fotos, mas o celular não quis salvar nenhuminha.
08h55m
O trem está relativamente vazio, e estou relativamente inquieto. Os trinta dias de internet 3G expiraram, estou sem nenhum livro e as músicas estão me irritando. Acho que desaprendi a (con)viver com meus próprios pensamentos.
09h30m
Esse é meu horário de entrada no cartão de ponto, mas estou há uma estação de metrô de distância dele. Hoje o dia promete ser agradável: ontem adiantei boa parte do que tinha pra fazer, porque hoje é dia de levar notas em dois clientes; um deles fica na Paulista mesmo, pertinho do MASP, e o outro na Vila Mariana. Pretendo ir no primeiro primeiro, encher o rabo de comida no Vitrine, e de lá ir pra Vila Mariana, só pra morrer de desgosto. Porque o dono da empresa de lá adora animais, e o escritório deles tem um aquário gigante, uma cacatua e três cachorros. Excetuando um poodle preto e a cacatua de vez em quando, todos os outros animais me ignoram, mas, tudo bem. É bom estar perto deles...
13h30m
- Acho que a única certeza que tenho nessa vida é que a maioria esmagadora das mulheres não é chupada, cara...
- É mesmo?
- PORRA! Tô te falando, loira.
- Eu sei hehehehe! Ainda bem que eu nunca tive o desprezar de pegar um frouxo desses.
Fico olhando, paralisado, com um pedaço de frango à parmegiana espetado no garfo a meio caminho da boca.
- Que foi?
- Meu, que saudades que eu sinto de vocês... É tão difícil encontrar gente com toda essa disposição pra falar desses assuntos.
- Eu sei... Eu sei...
14h30m
- Eu vi você almoçando com a loirona lá, viu?
- Ah, foi? Uma amiga do outro serviço. Mili ano.
As pessoas te vêem e você não as vê.
14h50m
Eu estava fazendo a distribuição das guias no andar dos advogados quando entrei na recepção e me deparei com aquela coisa.
Quando me deparei com uma mulher de feições quadradas, de cabelo preto, de saia social com a lateral um pouco aberta, com as pernas cruzadas e o bico do salto apontado pro céu, sorrindo pra mim - desabei, caralho.
Fiz o possível pra disfarçar um sorrisinho sem-vergonha e fui cumprimentar minha Nega, que já bem havia percebido o meu impasse com a gostosa e se segurava pra não rir.
Ela também tinha me visto com a amiga loirona de olhos verdes no restaurante.
- Não gosto de lá - ela diz, enquanto no balcão vou separando os papéis que ela tem que assinar, com minhas órbitas doídas pra olharem praquelas pernas torneadas - É muito caro. Mas sua tia só gosta de lugar assim.
- Minha tia nada! - falo, com os olhos fitos nos papéis - Eu gosto de lá. Foda é que é caro mesmo. E o mais foda é que meu VR só passa lá agora. Não é uma desgraça? Outro dia fui almoçar lá no chinês nojento e passei vergonha porque saí sem pagar...
A moça ri. Eu olho pra ela. Meu sorriso de canalha rasga minha cara.
O sorriso da minha Nega também.
Puta que pariu.
Puta merda.
Mano do céu!
Jesus Amado!
15h15m
Estou no ponto de ônibus. Acabei de perder dois do que eu devo pegar pra chegar no cliente lá da Vila Mariana. O outro cliente, do MASP, acabou não rolando de ir entregar.
Aqui passa muita mulher vindo de academia.
Aqui passa muita mulher de legging.
Aqui passa muita mulher que veio lá da Europa, não sei fazer o que nesse caralho de lugar feio, sem nada de interessante, sem nada além de gente que se acha pra caralho sem não ter nem porquê.
16h00m
A cacatua estava amuada, o Pastor Alemão estava bodeado, o Labrador nem saiu de trás do carro e o aquário não me despertou interesse. Só o poodle me deu atenção. Uma coisinha pretinha que dá umas lambidinhas discretas na minha mão, tímidas, e que balança o toquinho de rabo quando começo os tatibitati com ele.
O Segurança só fica olhando.
Há essa pracinha na frente da empresa. Com uma banca de jornal, alguns poucos bancos e um bar bem antigo, com senhores de cabelos completamente brancos por trás do balcão.
Sento em um dos bancos. Os pássaros cantam nos galhos acima. Entra uma brecha de sol direto no meu rosto. O vento é fresco. Há uma rapaziada reunida, assistindo um jogo lá da Europa, bebendo cerveja, conhaque e pingado. Conversando e comentando os lances.
Tiro os fones do ouvido.
Fecho os olhos e sinto o vento e o sol, e ouço os pássaros.
Isso é que é vida.
17h00m
Estou diante de dez e-mails não lidos. De paredes brancas. De notas pra emitir. De uma janela de dois metros de altura. Fechada. As pessoas me fazem umas perguntas repentinas que me tiram o rebolado ou a paciência. Faço isso tudo porque preciso de dinheiro.
E isso não é vida.
19h14m
Bom, hora de ir pra aula da professora que tem voz estridente e lê os PPT. Que somente LÊ os PPT.
25/04/2012