Chocolate na medida certa
Saudade eu tenho do tempo em que meu natal resumia-se a esperar meu pai voltar de viagem, cheio de presentes pra me fazer próximo a ele. Na verdade, usava dessa tática comigo e com meus irmãos. Não porque nossa família fosse desunida ou nos faltassem palavras de afeto e, por conseguinte isso nos fizesse frios, ou por termos aspirações a não manter amostras evidentes de carinho. Meu pai era estudado e educado pelas mãos ásperas e pela doçura de minha avó, que era sertaneja e sempre vivera em meio rural. Era desprovida das sofisticações do mundo, mas compreendera sempre o valor da educação e do respeito.
Certa vez ele me contou de como apanhava se contasse que brigou ou que haviam brigado com ele na escola. Para ela não havia diferença: não criava filho para ser vagabundo ou envolver-se em brigas de rua. De certo modo as palmadas dela parecem ter surtido efeito; conheço poucos tão responsáveis e cheios de caráter como ele (um pouco pode até ser exaltação minha, mas nada muito fora do real). Lembro que quando via meu pai, chegando às vésperas do natal em casa eu sequer perguntava de onde ele vinha. Interessavam-me naquela época os presentes e as surpresas nos chocolates que eu guardava como uma pequena coleção em uma caixa de sapatos, que eu via como uma arca de tesouro.
Mal sabia eu que o sorriso dele quando me via, aniquilava as horas de viagem entre Minas e São Paulo, bem como o seu trabalho duro para garantir o sustento e a educação nós. Outra coisa que eu me lembro bem foi a de que meu pai nunca me bateu. Talvez por cansaço das viagens mensais que fazia para nos ver ou por mera casualidade do meu bom comportamento quando estávamos juntos em casa. Não pense, prezado leitor que minha infância foi branda e que não levava uma surra de cinta vez ou outra.
Mesmo sendo um santo no colégio eu aterrorizava minha mãe quando estava junto aos meus irmãos, e cabia a ela o papel de delegar a punição e o grau de força da cintada que cada um levaria. As brigas eram constantes e as punições sempre nos faziam chorar por uns minutos, já que sempre no auge da berração, olhávamos uns para as caras dos outros e começávamos a rir como se o desentendimento nem houvesse existido. Agradeço pelas marcas de cinta que me impuseram limites bem como agradeço os mimos que meu pai nos dava uma vez por mês. Talvez por isso tenha dado certo: enquanto minha mãe repreendia, ele nos deixava livres. Era tudo equilibrado.
Hoje eu corro mais rápido que minha mãe e há alguns anos já não levo a tal surra como também não recebo mais chocolates com surpresas de meu pai. Mas nem por isso deixo de temer minha mãe e respeitar meu pai. Sei que a pior cintada agora já não é física, mas doerá na minha consciência muito mais se eu fizer algo que ela não aprovasse. Também sei que os presentes mensais de meu pai agora são sorrisos toda vez que me vê bem. Talvez seja este o segredo da tal psicologia educacional que tanto falam. Só acho que desequilibrar essa lógica não é tão certo e de bom tom quanto pensam. Tudo em excesso é ruim: palmadas podem machucar e chocolates dão muita dor de barriga.