TURBULÊNCIAS
TURBULÊNCIAS
Crônica de Carlos Freitas
Nos vôos que faço retornando das viagens a trabalho, tenho uma premissa: Se ocorrer alguma turbulência, certamente que no lar surpresas me aguardam. E na ultima viagem elas aconteceram. De tempos em tempos chacoalhavam o avião, deixando passageiros e comissários nervosos e enjoados. Por conta delas acabei perdendo meu bom humor, e por conseqüência, aumentando a ansiedade em ver minha família. Ah Turbulências! – suspirei.
Ao entrar em casa fui recebido por Jade (1998/2012). Amiga e fiel pastora belga. Treze anos e modestos trinta e cinco quilos. Demonstrando sua alegria em me ver saltou em meu pescoço. Ignorando um verdadeiro e efusivo gesto de carinho animal, censurei-a por ter-me arranhado. Assustada correu para o quintal e por lá ficou soltando latidos de felicidade. Meu filho mais velho veio cumprimentar-me. No abraço caloroso e demorado que deu, deixou a impressão de estar envergonhado por algo que fizera. Bingo! Aproveitou a proximidade dos meus ouvidos e sem titubeios ou rodeios, confidenciou-me que fizera um negócio mal sucedido com um amigo. Precisava urgentemente da minha ajuda financeira, para não ficar mal com o amigo, e nem ser taxado de medíocre pelos outros envolvidos no negócio. – Vinte dias, e as surpresas começavam a desfilar. Ah Turbulências! – pensei comigo.
Ainda imaginando de quanto seria o desfalque, cumprimentei minha esposa. Depois de beijá-la e abraçá-la, ironicamente perguntei se também não tinha nada para cochichar-me aos ouvidos. - Claro que tenho querido – retrucou. Porém, antes que o dissesse foi interrompida por minha filha caçula - dezessete anos. Com um largo sorriso no rosto abraçou-me e beijou-me, como nunca o fizera antes. Disse estar com muita saudade. Espantei-me – Coisa rara! Próxima dos meus ouvidos cochichou-me - Papai não fique bravo comigo, pois, vou lhe contar algo muito sério. – Fale filha. Assim você me assusta! - Tá bom papai, então vou contar a surpresa - Em breve você será vovô.
Minhas pernas vacilaram! Incrédulo e tremulo continuei abraçado a ela. – Não entendi - balbuciei. Repita no outro ouvido. Acho que estou com problemas nesse. Caprichosamente e sem o menor constrangimento, ela repetiu no outro ouvido a “doce” noticia: - Papai, brevemente você será vovô! Tive a impressão que Atlas num acesso de fúria tragava o piso da sala para as profundezas, e eu, junto com ele. Confuso e sem conseguir coordenar meus pensamentos olhei para minha filha - ainda uma criança, e me ouvi perguntando: - Filha como pode fazer isso comigo? Em vinte dias de ausência você namorou, noivou, casou, encomendou um filho e eu seu pai nem fui convidado para a festa? – Papai eu não casei! – Pior ainda filha – exclamei exaltado! Depois a gente conversa melhor sobre isso tá papai? - porque acho que o senhor tem muito o quê conversar com a mamãe. Ela certamente, também tem muito a lhe falar.
Eu já não sabia se tinha motivos para rir ou chorar, no meio daquele imbróglio. Tentando minimizar sensações de perda e frustração, com um sorriso amarelo no rosto disse para minha filha: – Disso, para uma Sodoma e Gomorra, só falta sua mãe me dizer que está pensando em divórcio! – Ah turbulências!- pensei. Ao ouvir o que acabara de dizer, minha esposa assim reagiu - deu-me um longo e doce beijo, seguido de um abraço mais demorado. Da forma como roçou seus lábios em minha nuca pressenti que pela terceira e derradeira vez, meus ouvidos seriam testemunhas “auriculares” de mais uma confissão. - Será que ainda teria forças? Duvidei que sim. Delicada e eroticamente ela mordiscou a ponta da minha orelha e sussurrou em meu ouvido: - Querido, como poderia deixá-lo num dos momentos mais felizes e importantes das nossas vidas? – Além de vovô você também será papai novamente! Tive a confirmação ontem...
- Não suportei tantas emoções de uma única vez, e nem cheguei a ouvir suas derradeiras palavras. Ah Turbulências... Enfartei!