mulheres, mulheres dominadoras e olhares oblíquos
Desejo falar-lhes. É a respeito de mulheres, mulheres dominadoras, olhares oblíquos e da natureza-feminina-selvagem-em-estado-bruto.
Não há a menor dúvida de que Eva tenha sido uma mulher sedutora, visto que arremessou Adão à correnteza indomável da vida pós-paraíso. A paixão me parece um requisito básico para estar-se genuinamente vivendo neste mundo. E foi o que a mulher primeira despertou em nosso protótipo hominal: paixão e conhecimento, portanto consciência do bem e do mal. O homem estava nu pela primeira vez, nu e sedento, integrado às forças da natureza, jocosamente vivo, tragicamente alçado à existência do homo sapiens em seu estado latente, o que por ironia bíblica costuma-se chamar de queda. Ao comer a maça o homem uniu-se à mulher, corpo e alma, até o fim dos tempos.
Os pássaros são os verdadeiros senhores das curvas da eternidade, das correntes, ascendente, descendente, subir em espiral e descer rasante, no entanto, Adão não era um pássaro, era apenas um homem, um cidadão do Éden, portanto nunca ouvira falar em Ícaro ou Prometeu.
Neste ponto é que entram os olhares obliquos. De quem seria a culpa? "Da serpente, é claro", vocês diriam. Mas o que afinal é a serpente? Do que se trata exatamente a maça, o tal fruto proibido?
Perguntamos sem encontrar respostas. Então inventamos a palavra pecado, da qual deriva a palavra culpa, que por sua vez instaura o reinado da palavra medo.
"E o que essa coisa que você chama de natureza-feminina-selvagem-em-estado-bruto, esta expressão aparentemente contraditória, tem em comum com todas essas afirmações sobre Bíblia, mitologia, pássaros, enfim...?", perguntariam vocês.
Bem, a resposta não é tão simples assim, afinal passa por uma apreciação mais apurada da alma feminina, tarefa que este humilde autor julga impossível de ser realizada senão ao longo de muitas e muitas vidas, mediante vastas comparações de suas mais variadas matizes e sob os enfoques mais amplos, diversos e esclarecedores possíveis. Um homem não chega a conhecer, no mais das vezes, nem mesmo sua própria esposa, quanto mais esta entidade a que venho me referindo desde o primeiro parágrafo deste texto.
Contudo é preciso tatear em busca das respostas, aqui e agora, no espaço-tempo deste pequeno ensaio ou crônica, sei lá...
Comecemos pela costela de Adão. Avancemos um pouco até a serpente e a maça. Finalmente vislumbremos a expulsão dos primeiros consortes do Éden, e disso tentemos extrair algo de razoável.
Seria a alma-feminina-selvagem-em-estado-bruto algo equivalente ao exílio?
Sim, não me parece nada má esta hipótese, ainda que inevitavelmente incompleta e imperfeita.
Sêmen-serpente, eis um aglutinação sugestiva... no lugar de uma resposta mais convincente.
Precisa o homem ser esmagado pela força corruptora da vida, tornar-se um desterrado de si mesmo pela ação terrificante de um mulher dominadora para que possa almejar finalmente à condição de também ser ele um criador a não mais meramente criatura? Óvulo e devoração do falo contribuindo para a origem de um ser estelar.
Não sei, acredito que deva ir parando por aqui; afinal, mais do que respostas, perguntas é o que me interessam no momento. Então Eva é a serpente, Adão é maçã. E o paraíso continua sendo domínio dos pássaros.