O PALHAÇO

Todos as noites ele estava no picadeiro. Estar sob a lona de frente para aquela plateia era como uma reza, dessas que se faz com todo fervor. Adorava ver as crianças sorrindo e aplaudindo. Cada gargalhada lhe adentrava a alma. Era como se ele próprio fosse um parque de diversões. Viajava nas gargalhadas, aliás, elas é que lhe causavam tanta empolgação. Ali, sob aquele palco místico ele era o centro das atenções. As crianças o amavam e ele já não sabia como viver sem o sorriso que nascia daqueles rostinhos angelicais, ingênuos e verdadeiros. Cada sorriso ia de encontro ao âmago da sua sensibilidade, não havia prêmio maior que ver a garotada alegre.

Adorava quando as crianças gritavam seu nome, ele as ouvia ao longe:

_ Palhaço Chorão! Palhaço Chorão!

Em uníssono elas gritavam. Gritavam e aplaudiam até que ele entrasse no picadeiro, aí então, a cada palhaçada, cada piada elas deliravam. Se uma criança chorasse ele ia perto dela, tirava do bolso um pirulito e oferecia a ela juntamente com uma engraçada palhaçada. Quando retornava ao picadeiro todas elas estavam sorrindo e gritando seu nome. Acabado o espetáculo saia pelos fundos, sumia, e ninguém mais o via.

O que as crianças não sabiam era que o apelidaram de Chorão, pelo motivo de um dia tê-lo visto ainda vestido de palhaço chorando sentado à beira da calçada, em outra cidade.

Chorava por que naquela noite havia sido cancelada a apresentação e sua filha ficaria sem o remédio e sem o pão.

Ali na calçada triste abandonado, já não restavam esperanças. Era só um palhaço. Nada mais sabia fazer.

Alguém que não sabia que ele trabalhava no circo, vendo seu chapéu de palhaço no chão, pensando que ele tivesse a pedir esmolas jogou lá dentro uma nota de um real. As outras pessoas vendo aquilo também fizeram o mesmo. A cada dinheiro que depositavam no chapéu ele sentindo-se humilhado, chorava ainda mais, era pobre, mas sempre ganhou o sustento com o suor do rosto.

Algum tempo depois, mesmo sentindo-se humilhado pegou o chapéu. Juntou todo dinheiro que havia dentro, correu para a farmácia mais próxima e comprou o remédio para a filha que tanto amava. Quando chegou a casa, esboçava um sorriso, falso, para evitar que a criança percebesse que ele estivera chorando. Entrou correndo com o frasco de remédio nas mãos, mas já não mais adiantava, a criança tinha sofrido um ataque e já estava morta.

Daí por diante continuou, embora triste no exercício da sua profissão, naquela idade que mais poderia querer da vida, sem a filha a quem tanto amava?

A cada noite, após o espetáculo continua sumindo, e todos ficam a imaginar o motivo.

Passa pela floricultura e compra algumas rosas e vai direto para o cemitério e as deposita na lápide de sua filhinha e faz em silêncio uma oração.

Só o vigilante, uma daquelas crianças que assistia fervorosa suas apresentações presencia tudo e comovido o aplaude como se estivesse na plateia no circo. Mas desta vez a criança homem feito não sorri, e quase sempre desaba a chorar ali em frente ao palhaço.

Por certo o palhaço entende a causa da tristeza do seu fã, o vigilante, tanto quanto entendia o sorriso daquele rostinho lindo na arquibancada. Porém não faz palhaçadas, apenas enxuga as lágrimas do próprio rosto e acena também comovido.

Saulo Campos - Itabira MG

Saulo Campos
Enviado por Saulo Campos em 24/04/2012
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