Quanto Mais Velho, Melhor...


Quando me ponho a recordar de minha infância e adolescência, parece que vejo a vida de outra pessoa, tal a distância que me encontro daquelas criaturas. Vejo, em freqüência, o garoto tímido que fui e o adolescente encabulado. Do jovem, guardo maior simpatia, embora, nem sempre me reconheça no mesmo, tal a intempestividade que me adornava o caráter em construção.

Com aqueles predicados, posso então delimitar com clareza a distância que me separa do passado. Fui criança esperta, menino ousado, curioso, gostava de aprender e de saber de tudo. Não sei se o terreno onde me criei era suficientemente fértil, pois não me lembro de ver respondidas todas as dúvidas que possuía - e que ainda carrego, em boa parte.

Apesar do meu espírito livre, havia uma nota triste: eu era terrivelmente provocador e implicante. Ai de quem, dentre eles o meu pobre irmão, que me cruzasse o caminho. Lá estava eu, sempre pronto a pregar-lhe uma peça. Eu não sossegava, enquanto não tirava do sério a vítima, fazendo-a chorar ou correr atrás de mim, para aplicar-me uma sova, coisa que poucos conseguiam, pois minha habilidade em fugir era espetacular. Peço perdão às vítimas do meu passado.

Na adolescência, descobri-me um ser invisível. Julgava-me o mais feio, o mais tolo, o pior de todos os mortais já criados por Deus. Tive, durante várias vezes, a impressão de que era um filho adotado, e de que estava em casa errada, tal a distância em que me via dos gostos dos meus pais. Lembro de meu pai argumentar que eu era um troglodita: só falava em monossílabos.

A implicância entre nós crescia a ponto tal, que criava um circuito permanente de alta-tensão. Sabia que ele queria virar-me a mão, mas não conseguiria, já que com a rebeldia, os hormônios me brindaram com fartos músculos. Eu era um touro, no sentido literal e real. O que mais irritava meu pai, é que mesmo sendo calado e arredio dentro de casa, na rua, as meninas me davam certa atenção, que fui percebendo aos poucos, o que me serviu para aumentar gradativamente a confiança.

De repente me vi um jovem aplicado nos estudos. A par de sempre ter boas notas, foi na universidade que verdadeiramente aprendi a estudar. Ali eu aprendia, soltava-me, fiz amigos, descobri a tônica da felicidade, que até hoje preservo, por isso amo tanto o jovem que fui, e que em minha mente, apesar dos cabelos que vão ficando grisalhos, das fortes marcas no rosto a sulcar-me a pele, ainda resisti em mim.

Hoje estou aqui, na fase madura, sem perder o hábito de sonhar da infância, a vontade de mudar o mundo da adolescência, e a alegria de viver da juventude. Escreveu certa vez a bela Lya Luft (a beleza interior dos seus textos irradia-se por todos os seus poros) que: “a partir dos 40 é que a coisa fica interessante”. Quem tem menos que essa idade talvez não concorde, por enquanto. Ponto de vista que se modificará em breve, com o natural andar do curso do tempo - para a sua completa felicidade.

Hoje, compreendo bem o que dizia a notável Cora Coralina: “tenho em mim todas as idades”. Feliz dela, que passou dos 90 e nunca deixou de ser Aninha...