Quando alguém vai embora
(Sempre aos Domingos)
Que bom que eu tenho de quem lembrar. (Eugenio Mussak)
Consultório de médico ou de dentista é bom porque a gente sempre encontra alguma coisa interessante para ler, naquele tempo chatíssimo de espera. Ficar olhando a cor das paredes e a decoração era um costume que tínhamos bem antes do I-phone. Agora podemos carregar o mundo virtual onde estivermos e as paredes ficam esquecidas pela maioria das pessoas atentas à vida, como eu. Mas o costume de catar revistas para ler está voltando, o toque no que é real está se tornando necessário novamente!
Eu imaginava a dona ou dono do consultório na loja de material de construção, escolhendo as pastilhas do banheiro, a cor dos armários, a disposição dos móveis com a decoradora, qual seriam os objetos que iriam fazer parte daquele local que seria seu reino muitas horas por dia. Tudo muito pensado, para não haver erros. Se lá será o lugar onde dentes serão tratados por um longo tempo, ou queixas físicas – e muitas vezes, pensamentos – estarão literalmente expostos, tem que ter uma flor amarela, um espelho decorado, um sofá confortável, quadros coloridos e uma persiana transparente, para que o mundo lá fora possa ser visto através de furinhos do tecido moderno. Música em tom bem baixinho para o profissional que gosta, mas a maioria acha que a música atrapalha seu rendimento.
Uma das coisas que noto é que se eu encontrar um desses profissionais em local público, com certeza eu não o terei reconhecido. Vai me chamar de besta e antipática; só que esquecem o aparato que usam para que sejamos atendidos. Toucas, jalecos lindos – alguns desses uniformes têm barrinhas de seda, que adoro – óculos de proteção enormes, atendem-nos com um profissionalismo de fazer com que nos tornemos seus eternos admiradores agradecidos.
Voltando às paredes e ao sofá confortável, esperei tanto tempo outro dia que resolvi ler um pouco. O que as letras fazem comigo tem um efeito mágico. Como ultimamente está difícil de usar a voz, por absoluta falta com quem conversar, as letras tornaram-se muito mais minhas amigas agora, do que algum tempo que não vai longe. A internet chegou e tomou conta de todos os espaços: livros inteiros agora são lidos na telinha do seu computador, centenas de amigos aparecem num curto espaço de tempo! Nem em toda a sua vida você teria tantas amizades como nas redes sociais, capiche?
Pois é, dei voltas para falar de “quando alguém vai embora”. Existem pessoas que se recusam a ter um animalzinho porque sabem que a tendência é que ele parta antes e por isso evitam sofrimento desnecessário. Tem algumas amizades que passam por nós com a duração de um vento forte, mas extremamente marcantes em nossas vidas. Outras, com a duração de uma vida inteira, não tiveram valor algum, porque nada lhe acrescentaram.
E não é assim mesmo? Reencontramos pessoas que significaram muito durante algum tempo. No início, um abraço forte, mil perguntas... Depois de certo tempo – esses reencontros duram no máximo dez minutos – cada um segue seu caminho, o abraço torna-se um cumprimento apressado e um “aparece lá em casa” surge, sem que nenhum telefone tenha sido sequer trocado e nenhum dos dois saiba onde moram. E tem aqueles que não se lembram da gente de jeito nenhum, pois passam por nós e não nos enxergam.
Não sei onde está a maioria dos amigos que frequentava a minha casa; não sei sequer onde moram e o que fazem. Se tiveram filhos, se são avós, se são felizes, se tem saúde, se são ricos ou pobres. Eu só sei que momentos inesquecíveis ficaram guardados para sempre, pelo menos para mim, naquele cantinho do meu coração.
Fiquei surpresa quando li que não existe perdas de verdade. O que existe, diz o artigo, é o sentimento de perda, a sensação apenas. Que bom que ainda posso sentir saudades, que posso relembrar momentos lindos tantas vezes quanto quiser, que meu coração ainda bate forte, que sou verdadeira, leal, bruxa e fada, feminina total, sonhadora e amiga.
As perdas que tive na vida, ou melhor, as sensações de perda que tive na vida vão ficando cada dia mais longe, à medida que vou amadurecendo e separando as minhas escolhas: folhas velhas para adubo, pétalas para enfeitar meus caminhos, água para lavar meu corpo e minha alma, visão de sol e de lua, sorrir para quem é bonito por dentro, conversas sérias ou alegres com quem me ouve de verdade.
E aí, eu penso naquela canção... “Como vai você... eu preciso saber da sua vida...”
Bom domingo! Final de abril, 2012
Imagem Bing
(Sempre aos Domingos)
Que bom que eu tenho de quem lembrar. (Eugenio Mussak)
Consultório de médico ou de dentista é bom porque a gente sempre encontra alguma coisa interessante para ler, naquele tempo chatíssimo de espera. Ficar olhando a cor das paredes e a decoração era um costume que tínhamos bem antes do I-phone. Agora podemos carregar o mundo virtual onde estivermos e as paredes ficam esquecidas pela maioria das pessoas atentas à vida, como eu. Mas o costume de catar revistas para ler está voltando, o toque no que é real está se tornando necessário novamente!
Eu imaginava a dona ou dono do consultório na loja de material de construção, escolhendo as pastilhas do banheiro, a cor dos armários, a disposição dos móveis com a decoradora, qual seriam os objetos que iriam fazer parte daquele local que seria seu reino muitas horas por dia. Tudo muito pensado, para não haver erros. Se lá será o lugar onde dentes serão tratados por um longo tempo, ou queixas físicas – e muitas vezes, pensamentos – estarão literalmente expostos, tem que ter uma flor amarela, um espelho decorado, um sofá confortável, quadros coloridos e uma persiana transparente, para que o mundo lá fora possa ser visto através de furinhos do tecido moderno. Música em tom bem baixinho para o profissional que gosta, mas a maioria acha que a música atrapalha seu rendimento.
Uma das coisas que noto é que se eu encontrar um desses profissionais em local público, com certeza eu não o terei reconhecido. Vai me chamar de besta e antipática; só que esquecem o aparato que usam para que sejamos atendidos. Toucas, jalecos lindos – alguns desses uniformes têm barrinhas de seda, que adoro – óculos de proteção enormes, atendem-nos com um profissionalismo de fazer com que nos tornemos seus eternos admiradores agradecidos.
Voltando às paredes e ao sofá confortável, esperei tanto tempo outro dia que resolvi ler um pouco. O que as letras fazem comigo tem um efeito mágico. Como ultimamente está difícil de usar a voz, por absoluta falta com quem conversar, as letras tornaram-se muito mais minhas amigas agora, do que algum tempo que não vai longe. A internet chegou e tomou conta de todos os espaços: livros inteiros agora são lidos na telinha do seu computador, centenas de amigos aparecem num curto espaço de tempo! Nem em toda a sua vida você teria tantas amizades como nas redes sociais, capiche?
Pois é, dei voltas para falar de “quando alguém vai embora”. Existem pessoas que se recusam a ter um animalzinho porque sabem que a tendência é que ele parta antes e por isso evitam sofrimento desnecessário. Tem algumas amizades que passam por nós com a duração de um vento forte, mas extremamente marcantes em nossas vidas. Outras, com a duração de uma vida inteira, não tiveram valor algum, porque nada lhe acrescentaram.
E não é assim mesmo? Reencontramos pessoas que significaram muito durante algum tempo. No início, um abraço forte, mil perguntas... Depois de certo tempo – esses reencontros duram no máximo dez minutos – cada um segue seu caminho, o abraço torna-se um cumprimento apressado e um “aparece lá em casa” surge, sem que nenhum telefone tenha sido sequer trocado e nenhum dos dois saiba onde moram. E tem aqueles que não se lembram da gente de jeito nenhum, pois passam por nós e não nos enxergam.
Não sei onde está a maioria dos amigos que frequentava a minha casa; não sei sequer onde moram e o que fazem. Se tiveram filhos, se são avós, se são felizes, se tem saúde, se são ricos ou pobres. Eu só sei que momentos inesquecíveis ficaram guardados para sempre, pelo menos para mim, naquele cantinho do meu coração.
Fiquei surpresa quando li que não existe perdas de verdade. O que existe, diz o artigo, é o sentimento de perda, a sensação apenas. Que bom que ainda posso sentir saudades, que posso relembrar momentos lindos tantas vezes quanto quiser, que meu coração ainda bate forte, que sou verdadeira, leal, bruxa e fada, feminina total, sonhadora e amiga.
As perdas que tive na vida, ou melhor, as sensações de perda que tive na vida vão ficando cada dia mais longe, à medida que vou amadurecendo e separando as minhas escolhas: folhas velhas para adubo, pétalas para enfeitar meus caminhos, água para lavar meu corpo e minha alma, visão de sol e de lua, sorrir para quem é bonito por dentro, conversas sérias ou alegres com quem me ouve de verdade.
E aí, eu penso naquela canção... “Como vai você... eu preciso saber da sua vida...”
Bom domingo! Final de abril, 2012
Imagem Bing