Cara de paisagem

 

 


 

Em conversas jamais ouvi alguém dizer ‘vez ou outra’ ou ‘de quando em vez’. No entanto, são expressões bastante usadas em textos. Implico com elas. Tenho a impressão de que deu preguiça e a pessoa engoliu alguma coisa, ou gosta de trocar palavras de lugar. É como se contássemos uma história assim: “Era vez linda princesa que vivia num castelo com o rei e a rainha...” Peço desculpas a quem as utiliza, é pura implicância da minha parte, assim como tem gente que detesta a cor amarela, da qual eu gosto. Como aprendi a dizer ‘uma vez ou outra’ e ‘de vez em quando’, não sei falar nem escrever de outro modo. Só isso.

 

Por outro lado, adoro certas expressões, acho engraçado (dizer) pisar no tomate, descascar o abacaxi, falar abobrinha. E a que mais tem me divertido ultimamente é a ‘cara de paisagem’. Traduz perfeitamente que a pessoa está disfarçando: fingiu que não ouviu, que o caso não é com ela, que não tem nada a ver com aquilo... A paisagem não sai do lugar, vista de longe não se mexe. Já olharam a orla marítima da janelinha do avião? Nem parece que o mar tem ondas, está lá embaixo com a franja branca junto à areia, paradinho. Como a cara de paisagem de alguém flagrado depois de fazer alguma arte, raspar o dedo na cobertura do bolo, sumir com o controle da tv, comer um bombom escondido... Com ar de seriedade, olhando para o nada, não move um músculo. Só desfaz a paisagem se cairmos na risada.