Aquarela brasiliense - Homenagem aos 52 anos de Brasília

Não sei se a manhã estava mesmo bela, ou se todos os hormônios conspiravam a meu favor. A quilométrica alameda por onde passo quase todos os dias despertou-me para a beleza que os olhos se acostumam, e com o passar dos dias, ignora. Sentia-me tão bem, nada

me aborrecia. As mazelas humanas, resolvi não empregar minhas energias em ruminá-las. Decidi apenas apreciar a beleza que parecia estar vendo pela primeira vez. Verde, verde, verde. A grama em tom castanho, tórrida, dorme esperançosa que as primeiras chuvas cheguem, enquanto as frondosas árvores parecem pouco incomodadas com a estiagem. Indiferentes, derramam vida sobre o cinza prateado do asfalto do Eixão Sul, banhado pelos raios do sol matinal. A chuva é também o anseio dos flamboyants, cujas flores já começam a dar os ares da graça. E quanta graça e malícia sugerem o vermelho-fogo...

Vez por outra surgem pingos de diferentes cores, como se o grande Pintor do Universo houvesse deixado propositalmente respingar ali sua aquarela, a fim de quebrar a monotonia do verde contínuo.O veículo movimenta-se rapidamente, e meus olhos procuram dos dois lados da avenida os ipês que florescem nessa época do ano*. Há um mês, os de cor rosa desabrochavam despudoradamente em seus suaves matizes, exibiam-se por todos os lados. Os amarelos, hoje vi poucos. Parece que cada um quer se exibir individualmente, não querem concorrência. Lembrei-me de que no inverno passado estavam deslumbrantes. E o roxo? que pena, tão belos, tão solitários, só dois deles consegui vislumbrar, como vigias noturnos que, ao amanhecer, recusam-se a ir para casa, permanecendo em frente ao imponente prédio em tom fumê do Banco Central, guardando os tesouros da nação. Os brancos, sempre tão tímidos, hoje pareciam ter criado coragem e apareceram na Esplanada, no cruzamento que liga a L2 Sul à Norte, como neve sobre copas de árvores desfolhadas, ou como quem empunha uma bandeira pedindo paz entre os homens, numa imagem quase surreal.

E olha ali, um ipê amarelo, observando meio envergonhado o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o STF, testemunhando grandes decisões, poucas vezes louváveis, e muitas vezes equivocadas. No percurso que faço a pé por dez minutos até chegar ao meu trabalho, veio-me a vontade de escrever sobre os ipês de Brasília e comecei a organizar as idéias. Um bando de periquitos rasgou o azul do céu maior algazarra, enquanto eu olhava os vigorosos e finos esguichos d'água que regam o gramado palaciano, formando uma linda imagem sob o sol dourado da manhã. Cheguei à faixa de pedestre e o carro oficial de um ... figurão parou para eu passar. Segui ouvindo o cantar dos sabiás nas imponentes palmeiras que velam entradas e saídas dos mais poderosos homens do país.

Era uma bela manhã.

As mazelas humanas, não se pode ignorá-las, mas esquecendo-as por um momento, lembrando-se de que os bons são maioria, olhando apenas o que há de belo, pode-se ver coisas deslumbrantes em Brasília.

*Este texto foi escrito em um mês de setembro. Na presente época são as paineiras, com suas flores em diferentes tons de rosa, que dão à cidade um colorido especial. E tudo o que tem direito de ser verde está maravilhosamente verde.

dhu alves
Enviado por dhu alves em 21/04/2012
Código do texto: T3625029