O GUARDIÁO.
O destino de milhares de pessoas estava nas suas mãos. Homem já beirando os 50 anos, corpo forte, gestos firmes. Aceitava o seu destino com certa complacência, como se fora um desígneo até divino. Sabia que dependia da sua decisão a vida de tanta gente que, por certo, nem se dava conta disso. As pessoas mal sabiam, ou teimavam em não saber, que ele poderia levá-las para onde desejasse. Viviam à mercê da sua vontade. Ele não fazia distinção ninguém. Rico, pobre, velho, criança, jovem, não fazia diferença alguma. O que infernizava neste ofício era o barulho e o calor. Nunca davam trégua. Por tantas vezes pediu nas suas orações para acordar surdo de uma vez. Era uma ave de rapina, olhando pra todos os lados na esperança de se deparar com alguma ameaça. Na sua obstinada rotina, muitas vezes o cansaço chegava para golpear seus sentidos, sua alma. Nessa hora, os olhos pareciam troncos de árvore teimando em descer pela ribanceira. Era quando sentia a presença de Deus mais rente. O Criador suspendia tudo o que estava fazendo e descia só para sacudir seus ossos, sua carne. seu coração. Dizem, até, que esse é o único motivo que faz o dono do show abandonar o seu posto. Teve um dia diferente, ai se teve. Deviam ser umas seis horas da manhã. As duas mulheres pareciam como as tantas outras de todos os dias. Até que sacaram o seu revólver para levar de lá tudo o que podiam. Estavam muito nervosas, pareciam que tinham toda pressa do mundo pra sair de lá o quanto antes. Quando estavam já acabando o seu serviço, perceberam a sua presença. Vieram em sua direção com tal fúria que até dava medo. Um tiro certeiro vazou a sua cabeça. O sangue jorrado foi tanto, mais tanto, que não se reconhecia mais o chão. E foram embora correndo. Ele ficou lá, olhos estatelados que nada mais viam. Certamente tudo seria limpo e voltaria a ser como sempre foi. As pessoas comentariam o fato por alguns dias e depois tudo se mudaria para os confins gelados do esquecimento. Mas a sua essência nunca iria embora de lá. Ficaria cravada para todo o sempre como um réquiem soturno, um legado que o tempo, por mais que teimasse, não conseguiria arrancar dali. Mesmo quando a ferrugem se alastrasse feito praga, mesmo quando não valesse mais nada e nem para o lixo mais servisse, a sua alma não arredaria pé daquele lugar, como um fiel guardião eterno do que foi o seu ofício, bem mais do que um ganha-pão. Aquele ônibus foi a sua vida.
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