Um estranho conhecido no espelho

Hoje, novamente, acordei, e ao olhar-me no espelho, lembrei de Gabriel Garcia Marquez, quando,em suas "Memórias de minhas putas" em seu aniversário de 90 anos, quis se presentear com uma menina virgem, para sentir-se vivo como outrora, não por causa do desejo de ter uma menina destas, pois, quem me dera, ter um presente destes; também, hoje em dia, se eu ganhasse tal presente, logo em seguida seria preso por pedofilia, então, isso não me faz sonhar tal sonho; e voltemos ao verdadeiro motivo desta prosa.

Olho-me no espelho e me assusto com a imagem que me olha do outro lado, com aqueles pés-de-galinhas, cabelos recuando na testa, rugas nos cantos da boca, como querendo me forçar um sorriso, que, certamente não vou dar, a pele mole, como que estivesse aos poucos derretendo e descolando dos ossos, olhos encovados e cinzentos ao redor, como se tivesse passado uma sombra de maquiagem feminina, parecendo mais o "tio chico" da familia Adamns; e O olhar, esse foi o que mais me fez tremer, aquele olhar estranho, de um estranho a me transmitir coisas estranhas; desconhecidas coisas vindas de um desconhecido.

Mas como? Por quê aquele estranho estava ali a me olhar? A me perscrutar, me sondar, me aterrorizar?Será que eu não havia acordado ainda?Efeito retardado de algum filme babaca de terror que tenha assistido a 50 anos atráz?Nossa!50 não, uns dez anos atráz. Mas por quê disse cinquenta? Ah! É isso, o cara do espelho, deve ter uns cem anos, e insistindo em querer me fazer acreditar que ele sou eu.

Loucura!Parece que foi ontem, quando tinha não mais que trinta, e um amigo mais velho passou a mão em meu rosto, fazendo um comentário : "NOssa que pele, um dia eu tive uma destas também". Por quê eu guardei isso, depois de - quantos anos mesmo?Perdi a conta, mas deixa para lá - tanto tempo? A ciencia prova que os detalhes que menos damos importância, é que ficarão registrados em nossa mente. E naquele momento, lembro que não dei tanta importancia àquelas terríveis palavras, pois estava no auge da juventude, e quando se está nessa etapa alucinada e viril da idade, quem vai ficar pensando que um dia, os 20 se transformarão em 30, 40, 50..tá bom.

Terrível, porque, hoje em meu trabalho, vejo aqueles portadores de juventude desfilando ininterruptamente em minha frente, e mórbida e atterradoramente, faço o mesmo comentário em minha mente: "Como a pele deles é linda não?lisa, sem rugas. Quando foi que deixei de ter a pele assim, em que kilometro da estrada, minha pele e meu vigor ficaram e eu continuado? Será que foi naquela parada em que nada no mundo me assustava, que nada me fazia acreditar que existia um monstro implacável, sem compaixão, sem concessões, sem coração, sem alma, chamado tempo?

É! Acho que foi ali mesmo, porque parece ter sido ontem. Essa sensação de que esse "tempo" tenha sido injusto só comigo, e não ter me dado tanto tempo, no devido tempo, para eu processar e digerir ou viver, de acordo com meu precioso tempo, para entender que o tal do tempo passa, e passa, inexorávelmente.

Pois é!Por isso estou diante do espelho, perplexo, olhando esse cara, com cara do meu avô, insistindo que ele sou eu. Mas não consigo entender; aqui dentro, por trás desta máscara feita de pele, musculos, nervos, ossos e sorrisos e lágrimas, tem alguém, tem eu, que não sou este que insiste ser eu; sou eu, que continua com vigor, com disposição, com planos de tocar guitarra, de fazer uma longa viagem de moto, de pegar todas, de ir para balada e voltar só quando amanhecer, de largar a companheira, e visitar a rua do "trottoir", descer de rapel, pular de pára-quedas..

Então, como esse pode ser eu?Ele me deu um sorriso, e depois destes 20 segundos de um flash de ilusão, abaixou a cabeça na pia, e antes de escovar os dentes da arcada inferior, tirou uma prótese dentária superior, colocou do lado, e começou seu asseio matinal. Após escovar os seus e os não seus dentes, tentou arrumar alguns "heróis da resistência" em sua cabeça com um pente que não era preciso, enxugou o rosto, pegou seu óculos de leitura, colocou seu pullover de tricô, ajeitou a gravata, deu-me um sorriso alegre e matreiro, e saiu para sua caminhada matinal, para juntar-se aos outros seres de seu tempo, onde o implacável "tempo" os está vigiando. E me deixou ali do outro lado do espelho, aguardando pacientemente pela sua próxima visita, quando nos divertiríamos mais uma vez, até que o tal do tempo, não nos desse mais tempo.

Fabio Della Rosa
Enviado por Fabio Della Rosa em 19/04/2012
Código do texto: T3622115
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