Recanto sul
O documentário realizado pela equipe de televisão amplia os horizontes desse recanto sul que é um adorável pólo estético nacional. Desenvolvimento latente dentro dos acontecimentos marcantes da vida urbana. A emancipação do Chuí, a discussão sobre a maior praia do mundo e os fatos históricos de Rio Grande até o fim da fronteira se misturam entre visões sobre o progresso. Vivemos a região de neutralidade lírica e exótica. Por um lado temos a vastidão, quase sempre dominada pela estrada reta, percorrendo viçosa planura, de onde se anunciam o mar e a calma lacustre.
Mansidão de água doce. Temos o outono de lagoa nas horas tranquilas, simples. Vento desenhando a força do verde colhido das folhas dos butiazais. Arruados. Meninos jogando bola festejam a hora azul como a melhor parte do dia.
Há muito Brasil ainda não filmado, muito Brasil por dentro. O coração do lugar onde viajam tantas histórias. História de gente que ama a inteligência tímida, sem devastações. Acabou a monarquia! Quase um mês se passara do brado militar do marechal e a cidade continuou ouvindo melodia ao final da tarde através dos “parlantes”, rezando “glórias e Ave-Marias”. Indiferentes. Sem compreensão clara do que vinha ser “república”. Federativos continuavam sendo.
Vendavais, naufrágios, sesmarias & donatários, fortes, tratados. Um importante casamento salvou muitas vidas, economizando novos brados retumbantes, acalmando exaltados. Portugal e Espanha aos poucos detiveram tiranos e caudilhos. Da Capitânia de Rio Grande para adiante vamos nós navegantes como se fosse um istmo. Eis Campos Neutrais. Eis o passar dos anos, eis o Cassino. A maior praia do mundo! Há que se socializar a história e os fatos para independência dos interdependentes.
Em toda emancipação persiste algo que procura definir obrigatoriamente certas distinções sobre múltiplos fatores daquilo que é obrigado alcançar. Perdura também muitas vezes o temor da alma gêmea. O cuidado com esses momentos, caracterizados pelo processo da gemealidade em processo de desambiguação, deve ser constante. Muito antes da nomenclatura da geografia política moviam-se os homens em busca de fixação para definição territorial. Livres changadores.
Note-se que a vida urbana persistiu em torno dessa imensidão que hoje está em imagens. Vida muitas vezes com espírito preocupado das grandes decisões ultramarinas, transatlânticas. Eis o grande cenário onde se contemplam a diversidade para o capítulo da beleza nacional. Tudo parece inexplorado, vago, cinza e desolado. Vazio de teatro? Nunca foi. Cinema? O Cine Teatro Independência encantou várias gerações com grandes espetáculos. (O cinema acabou quando o motor a diesel da eletricidade foi embora). É possível imaginar cinema neste cenário filmado atualmente? Ele existiu quando a eletricidade era precária.
Cidadezinha sempre tem algo de estrela rubiácea entre auras e refulgências. Da terra aos ofícios do dia produtivo nasce a noite amorosa. Na filmagem atual temos imagens distantes. Espécie de aviso aos navegadores: há uma cidade logo ali, todavia longe dos faróis, distante do pântano gigantesco e sombrio sem economia; indo adiante pela imensidade costeira.
Se antes era uma só, hoje são duas cidades próximas e solitárias. Divididas. A mais nova procurando delinear a identidade recente no âmbito da história. É certo que nelas o outono é parte lacustre de quem vive na cidade. O outono lacustre fica perto da lagoa e o verão é inteiro do mar.
O outono lacustre.
Outono/ Santa Vitória do Palmar