Procurando Teresa

Procurando Teresa








- Honestamente, não sei se estou abençoado ou evoluindo – disse eu, com certa apatia.

- Evoluir é algo descartado da sua vidinha – retrucou ela, que mexia as mãos e balançava um dos pés – abençoado talvez, mas não me pergunte por que.

Estamos sentados num banco de madeira na enorme varanda de um casarão, situado no bairro da Aclimação.

Não saberia dizer como cheguei aqui. Pulei da cama com uma energia, ou deveria dizer angústia, fora do comum. Espere, foi durante um almoço, há um tempo atrás, alguém comentou que angústia é simplesmente energia mal dirigida. E há a questão do tempo.

De dentro do casarão uma voz de homem, suave, expressa assim:

“O estado de sonho mudou. Se puderem imaginar, é como se o estado de sonho se estendesse para as esferas próximas da Terra – e além, e além. Há seções nessas esferas conectadas à consciência humana, próprias para os estados de sonho. E vocês vão até lá. É muito, muito intenso neste exato momento. Muitas mudanças. Faz com que a mudança aqui pareça nada”.

Como foi que eu cheguei nesse lugar mesmo? Descemos a rua sinuosa e arborizada numa São Paulo ideal, poucos carros, pouco caos, chegamos, nós, que nos conhecemos e nos desconhecemos, na bela casa murada. Quando digo nós estou me referindo as 570 idéias por minuto e uma delas dizia – procure a Teresa.

Dentro da casa tudo muito claro e asseado. Tiramos os sapatos e calçamos chinelos, colocamos os nomes completos num caderno e em seguida fomos levados ao andar de cima. Tudo muito claro, com frutas no altar, incenso, e te digo sem cerimônia, fuja de coisas no escuro. No escuro não rola nada, só o avesso.

- Vim falar com a Teresa – expliquei para uma senhora de idade indefinida. Ela disse que a Teresa estava participando de uma palestra, que assim que desse iria avisá-la, e então me apresentou uma larga e comprida varanda, ornada com vasos e equipada com bancos de madeira.

Ah, sim, a questão do tempo. Tá esquisita. Já passamos do meio de abril e o natal, o último natal, está ao alcance da minha mão. Como é que era o negócio – Tempo Linear e Tempo Experimentado? Acho que são esses os termos.

O homem continuava falando. Deve ser o palestrante.

“E eu digo isso, com um porém: os seres humanos são maravilhosos até entrarem numa organização. [Risadas] Qualquer organização – uma empresa, uma igreja, uma fundação benevolente – não importa qual. Por que isso com relação aos humanos? Maravilhosos individualmente, mas no momento em que se organizam, a gente encontra questões de controle, questões de poder, questões hierárquicas. É quando entra o vírus da energia sexual. Ele ama organizações”.

- O senhor, por favor, quer fechar esta janela? A fumaça do seu cigarro entra no auditório. Aqui não é permitido fumar.

Fechei a janela e apaguei o cigarro. Ela levou a bituca embora. Depois disse que já avisou a Teresa.

- Afinal, quem é o senhor?

- Um amigo.

- Amigo? A Teresa ficou nervosíssima quando falei o seu nome...

Pôxa, que mulher impertinente pensei, sorrindo amarelo. Fui perambular pela varanda. Como eu cheguei aqui mesmo? Ah sim, com o ônibus Aclimação. Ele é branco e amarelo e faz um trajeto que vou te contar. É uma minhoca atrás da outra, primeiro por lugares belos, (São Paulo foi bela) e daí ele desemboca no purgatório e vê-se um monte de gente deitada no chão, enrolada em cobertores. Imagens bem contrastantes com as cornetas douradas que aparecem na TV alardeando o gigante. Gigante de um lado, anões esquecidos de outro. Uma volta inteira no Aclimação equivale a um bom contato com a realidade. Minha nossa, a realidade, hoje de manhã ela veio como, mesmo?

Pronto, lá vem a mulher impertinente de novo.

- Vou abrir essa janela, mas o senhor promete não fumar? Está muito quente lá dentro.

Quando ela abre a janela, ouve-se nitidamente o palestrante.

“Vocês chegaram num determinado ponto nesse negócio todo de se conhecer. Vocês chegaram a um sete e começaram a se sentir muito bem com relação a si mesmos. [Ele começa a desenhar um círculo na lousa sem fechá-lo direito.] Ponto de partida no 12 do relógio; vocês chegaram aqui no três e no quatro [do relógio], se sentiram bem mal; vocês desceram até cinco, seis, e começaram a subir até o oito, nove, quando se sentiram muito bem com relação a si mesmos. Vocês estavam chegando lá. Vocês estavam começando a conhecer quem vocês eram e, então, chhhkkkpppp! [voltaram pra trás], a coisa reverteu. Vocês notaram? [Algumas pessoas dizem que sim.] Sim, sim.

Quando vocês achavam que estavam chegando lá, que aquela coisa já estava no papo e vocês estavam quase prontos pra escrever um livro – Começando a me Conhecer, Começando a me Amar, etc. –, de repente, tudo desaba, desmorona, e foi uma coisa boa.

Vocês colocaram esse negócio aí. Vocês colocaram essa mina explosiva aí, sabendo que iam pisar, sabendo que ela explodiria, de propósito, porque não existe esse negócio de se conhecer. Não nos termos humanos. Vocês não querem se conhecer assim, porque daí vocês ficam presos”.

Lá vem a Teresa. De cigarro na mão...ah sim, a Teresa fuma e a primeira coisa que faz é fechar a janela. Deve ter uma posição importante nesse lugar. Agora não se ouve mais o orador.

Impossível dizer que ela tenha me cumprimentado, pelo menos no sentido ortodoxo da coisa. Fiquei tentando recapitular a minha manhã da hora do ônibus até aqui e me lembrei de outro dado que me trouxe à realidade – ficou decidido pelo Conselho que somente aquele que tiver diploma de médico poderá praticar acupuntura. Uau! Os músicos-terapeuta que se cuidem – não bastará conhecer as notas musicais, será preciso saber o nome dos duzentos e tantos ossos.

- Vamos ser práticos – rosnou ela, respirando fundo a fumaça do cigarro – o que você está fazendo aqui?

- Sonhei com você e ...

- Isso não é prático! Não te vejo há 15 anos, graças a Deus, e de repente você aparece...

A outra mulher voltou e, imbuída de extrema polidez, pediu a Teresa para apagar o cigarro e abriu a janela.

“Com relação as mudanças... Vocês não têm que fazer nada. Vocês não têm que assumir essa responsabilidade para si.
Vocês não precisam salvar o mundo.
Vocês podem, de fato, aproveitar a vida.
Curtir a vida, o que quer que isso signifique, comprometendo-se consigo mesmos...

Quatro coisas estão acontecendo.

Primeira coisa, e essa é grande. Pode levar um tempo pra perceber o quanto ela realmente é grande. Mas, antes de entrar no assunto, vou dizer uma coisa. Vocês todos entendem que seu DNA está – chtt! chtt! chtt! – sendo refeito, reconstruído. Vocês estão em obras. Vocês estão refazendo suas âncoras de energia, o modo como vocês se seguram na realidade, o modo como vocês são capazes de ficar de pé, pensar, recordar, se movimentar. Vocês estão refazendo tudo isso.

Vocês estão refazendo a quantidade, os níveis de luz e energia que podem trazer para a sua realidade. Mesmo que, em alguns dias, isso seja realmente intenso e vocês tentem travar isso, vocês realmente não conseguem. Há uma tremenda quantidade dessa luz e energia”.

- Vamos até ali? – indaguei – não consigo me concentrar com esse sujeito falando.

A varanda, enorme, faz um “L”, e lá no fim da perninha do “L” nos instalamos. Também havia uma janela aberta e podia-se ouvir baixinho o orador. Fechei a janela.

- Você não vai acreditar – disse eu – mas sonhei com você e ...

- Como você chegou aqui? – interrompeu ela com ar aflito, extremamente aflito.

- Pois o sonho – eu ia explicar.

- Pra que? Pra que? – ela se contorcia.

- Para você ajudar a Maria Inês – expliquei.

- Maria Inês?! – exclamou ela – quem é Maria Inês?!! Oh não, você é louco, achei que eu tinha me livrado de você...

Então ela pôs-se a chorar e acendeu um cigarro. Aproveitei para acender um também, pois se aquela enxerida viesse atrapalhar nosso colóquio o assunto se daria em bases mais diplomáticas. Estranhamente ela abriu a janela, como se fosse um ato falho ou algo parecido.

“Antes de tudo, vocês são seres mentais. Na maior parte do tempo, vocês operam através da mente com pensamentos mentais. Analisar coisas, julgá-las, colocá-las em compartimentos mentais bacaninhas. Em cerca de 96% do tempo, vocês estão usando o aspecto mental de si mesmos no ambiente cotidiano. Quatro por cento é o que resta para a criatividade. E isso já é um avanço, porque há poucos anos, só restava cerca de 1%.

Agora, isso está dando um salto, um salto muito rápido, para, em vez de se ter o cenário de lado esquerdo e lado direito do cérebro, em vez de passar do lado mental para o criativo, agora, eles começam a se misturar.

Então, vocês têm agora uma consciência combinada dentro de si que é criativa e mental.

Parece maravilhoso, não? Querem mais?

Isso vai afetar seus sonhos, porque, muitas vezes, os sonhos eram bem mais literais, bem mais mentais, e agora vocês estão ficando mais criativos nos sonhos. Vai afetar seu processo de pensamento, particularmente para a resolução de problemas, porque, na maioria das vezes, vocês aplicam uma energia mental em algo que deveria ser criativo”.

Pronto, lá vem a mulher. Atirei a minha bituca por cima do muro. Teresa, por seu turno, esticou mão direita para a mulher enquanto apagava o cigarro e fechava a janela. Ela meneava a cabeça e seu rosto exibia um sinal misto de “dá um tempo” e “desculpe”.

Com muita calma expliquei que a Maria Inês era amiga minha, estava com 65 anos e era empregada doméstica, já havia se aposentado, mas ainda trabalhava, e não tem onde morar. Semana passada seus pés inflamaram e ela teve de tomar um antiinflamatório, daí seus rins paralisaram, em virtude do medicamento, e ela foi parar no hospital São Paulo, quase entrou em coma, voltou pra casa 3 dias depois, ou 4 dias, debilitada, e o que a patroa fez? Pôs ela para trabalhar. Você tem razão, as pessoas são loucas mesmo...

- Eu não disse as pessoas – vociferou Teresa – disse você é louco. E o que é que eu tenho com isso?

- Ora – fiz eu com naturalidade, espalmando as mãos – você é rica. Podia muito bem comprar uma casinha para Maria Inês. Assim ela não precisaria se sujeitar a uma desumanidade dessas...

- E você quer quanto?

- Cruzes, mulher, eu não quero nada, foi um sonho, te disse, e o sonho dizia – procure a Teresa. E eu indagava, no sonho, como? Não há vejo há 15 anos! E o sonho me mostrou a imagem de uma casa e depois a imagem de um ônibus – o Aclimação. Que é amarelo e branco, novinho. Então entrei no ônibus e na descida da rua Topázio vi a casa...

Ela tornou a choramingar dizendo que aquilo não podia estar acontecendo, nem hoje, nem nunca.

Depois de um longo hiato, Teresa se recompôs. Ela disse finalmente:

- Eu acredito em você.

E abriu a janela.

“Agora, vocês estão no caminho espiritual criativo”.






Procurando Teresa (2)






Bom, verdade seja dita, ela estava com os olhos vidrados quando disse “Eu acredito em você”. Então tentou me acertar com um cinzeiro me chamando de desgraçado, que eu a havia deixado na porta da igreja.

Nesse ponto dei um basta.

- Eu?! Você queria casar naquela igrejinha mulambenta e meu desejo era casar em Fátima. Eu e meus padrinhos estávamos lá e ficamos esperando, foi o maior vexame...

- E para mim, você acha que não foi vexame? Minhas madrinhas riram, me chamaram de otária...

Ela tornou a partir para cima de mim com o cinzeiro, eu me desviei e dei com o ombro na janela. Com isso a janela se abriu.

“Muitas pessoas ainda precisam desse caminho espiritual mental – estudar os rituais, estudar as disciplinas, estudar os Mestres. Vocês estão fora disso – na iluminação espiritual criativa. Essa foi a questão número um.

A questão número dois. Uma grande parte do eu que vocês tentaram conhecer ao longo dos anos, uma grande parte desse eu era o eu emocional, e, no momento, ele está se dissolvendo. Está se desintegrando. Está desmoronando. É bom? É bom, sim. É claro que é.

O que está acontecendo é, particularmente quando o mental e o criativo se misturam, não há mais espaço para o eu emocional, a criancinha mimada. [Ele ri.] É. Essa coisinha – bom, na verdade, uma “coisona” – gritava e interrompia vocês a toda hora. Vejam, a emoção vem da mente, é 100% mental. É a imitação ruim que a mente faz dos verdadeiros sentimentos da alma.

A mente inventou tudo isso. Foi meio por ciúmes, já que não tinha sentimentos reais; então, inventou as emoções. Elas são imaturas. São irreais. São exigentes. São egocêntricas sem serem inteiras.

As emoções nunca ficam satisfeitas. Elas são como sugadores de energia. Elas se alimentavam do verdadeiro você. Elas se alimentavam das outras pessoas. Elas causaram algumas explosões de raiva. Causaram irritação. Fizeram vocês olharem as coisas com olhos muito imaturos”.

Fechei a janela porque, honestamente, começo a ficar irritado com esse falatório. Será que as pessoas pagam para ouvir isso?

Teresa se aquietou, e, de pé, olhando para a rua, usou um bolo de palavras para expressar coisas como – “quer dizer que você também ficou esperando?”. E mais um bolo que, cá entre nós, acho que nem ela entendeu.

- O que você anda fazendo da vida? - perguntou, mexendo nos cabelos e, com as pernas cruzadas, balançava um dos pés.

- Escrevo para internet – respondi, sem orgulho e sem modéstia.

- Ah... sim? – seus olhos faiscaram – linguagem de programação? Lingo, Java, HTML...?

- Errrrrr... não. Escrevo textos, sabe? Crônicas, às vezes um artigo e...

Ela gargalhava. Na verdade começou tentando reprimir o riso, mas daí veio que nem uma avalanche. Ela ria e sacudia todo o corpo, ria alto, falei um tanto friamente: “melhor do que cultivar ressentimentos” e ela exclamou: “será?!”. E gargalhava. Minha idéia foi abrir a janela, assim as pessoas lá de dentro ouviriam e ela por ventura poderia ficar, digamos, constrangida.

“Mas então, queridos, algumas coisas acontecem quando o eu emocional vai embora. Ele tem sido um amigo mau, mas um amigo que sempre esteve lá. E parte de vocês começa a sentir saudades dessa interação disfuncional que mantinham com ele constantemente. Então, tem aquela partezinha de vocês que quer um pouco daquilo de volta. Observem quem vocês escolhem como amigos durante esse período, porque eles serão como uma substituição interessante para esse eu emocional que vai embora”.

Fechei a janela. O riso dela era preferível a esse discurso todo. Pensava – afinal, o que há de errado em publicar na web? Nisso o meu telefone tocou.

- Sim?! – exclamo – oh, olá. Falei que era urgente? Então deve ser... Bem, é o seguinte, o saleiro lá de casa... Sim, o saleiro, aquele artefato onde se coloca o sal para depois colocar na comida, isso, ora, dentro dele haviam uns grãozinhos de arroz cru, misturados no sal, acho que as pessoas fazem isso para o sal não virar uma gororoba dentro do saleiro, sim, e esses grãozinhos ficaram pretos, sim, acho que apodreceram, então te liguei para ver se você podia...alô? Alô? Alô? Porcaria, celulares nunca funcionam direito...

Teresa estava olhando o relógio e contando os segundos. Na verdade ela observava o ponteiro dos segundos girarem e seus lábios balbuciavam: “10:43. Às 10:45 em ponto ele vai falar sobre cura e logo em seguida trará alguma novidade do Mestre”.

- Novidade? Como assim? – reagi contrafeito.

- Você acha que o Mestre é apenas um personagem dentro de um livro? Ou uma imagem num templo? Acorda, meu! O Mestre está nos ajudando, ele e outros incontáveis seres evoluídos.

Ela me pegou pela mão e deslizamos pela varanda até uma porta em forma de arco, que eu não havia reparado e num instante estávamos em meio a uma grande platéia que ouvia atentamente o orador. Chegamos nesse trecho:

“Cada um de vocês vive em um espaço energético, que está na vibração e na freqüência das suas lições e jornada de cura. Dentro desse espaço, vocês atraem as situações e as pessoas que possuem duas missões: A primeira é conectá-los em um nível energético da sua cura. A segunda missão é manter essa energia até que a sua cura seja concluída.

Embora vocês possam culpar os demais por bloquear o fluxo de energia em sua vida, eles são simplesmente participantes da sua jornada de cura, mantendo a energia para que vocês concluam o seu ciclo. Esse é o compromisso deles com vocês e eles farão todo o possível para mantê-lo até que a sua cura termine.

O contrato de alma que vocês concretizam é de cura e de transformação. Sua realização é a maior jornada que vocês já empreenderam, o único propósito desta e de todas as existências. Esse é o propósito da sua vida e o propósito da vida de toda a humanidade”.

Pedi licença um instante pois estava apertadíssimo. Achei que seria um transtorno achar um toalete, mas tudo fluiu com rapidez e tornei ao meu assento sem delongas maiores. O homem não parava de falar:

“Assim como falamos antes, pra desmanchar todo esse conceito de se conhecer, também é hora de desmanchar todo esse conceito do guru que vocês aspiram ser.

Vou dar alguns exemplos e, enquanto isso pensem em qual é o seu dilema do guru. O que vocês pensavam, com a mente humana, que teriam que se tornar? Porque eu vou lhes dizer agora mesmo que isso não é o que vocês têm que se tornar.

Pensem no querido Buda um instante. Buda era fóbico. Tinha fobias, muitas fobias. Havia certos tipos de insetos, besouros, dos quais ele tinha verdadeiro pavor. Mais tarde, ele acalmou, relaxou um pouco. Tinha essa obsessão neurótica pela iluminação e simplesmente deixava de comer pra conseguir isso. Enfim, relaxou. Ele desistiu de tentar se encontrar, de tentar se conhecer. Ele relaxou. Foi quando começou a comer. Ganhou algum peso e, enfim, teve a iluminação que sempre quis. Ele se misturou com ele mesmo.

Vejamos Yeshua. Pensem naquilo que ensinaram a vocês quando crianças. Calmo, pacífico, curador...
A missão dele propiciou à humanidade um Registro Cósmico Ativo. E isso tem um poder de expansão incalculável além de ser um benefício sem precedentes.

Agora, enquanto encarnado, antes de concluir a missão, era um ser humano impaciente!

Totalmente impaciente. Não tinha paciência com a estupidez, com as regras, com as organizações detestáveis. Não gostava do tempo, não gostava de vadios. Por quê? Porque, por baixo, mesmo que fosse um ser unido à alma, ele carregava muitos aspectos ou energias de vocês. E era impaciente: “Vamos logo com isso!” É verdade! Era assim: “Sai da frente. Temos muito trabalho a fazer. Estamos aqui pra semear esta Terra com a consciência de Cristo, os Cristos, a consciência cristal, para uma nova era que está vindo por aí. Andem! Mexam-se! Vão pra outro planeta, vão pra outro lugar, porque este é o lugar onde vamos crescer e expandir. ”

Permaneci meio que em transe enquanto o orador falava até o instante em que cochichei para ela que queria me retirar. Acho que a minha pressão havia baixado. Preciso repensar esse negócio de sonhos, pensei.

Ela disse “agora não” e eu me retirei para a varanda. Minha cabeça estava zunindo. E o homem lá, destilando:

“Eles tinham o que chamam de defeitos, mas que, na verdade, não são; são apenas idiossincrasias. E é assim com vocês. Vocês vêm tentando se conhecer e se aperfeiçoar, se tornarem humanos puros. Eles não fizeram isso. Por que vocês deveriam fazer? Eles tinham distúrbios! Problemas! Desafios!

O que finalmente fez com que se tornassem Mestres Ascensos? [As pessoas na platéia dizem: “Aceitação”, “Deixar ir.”] Aceitação. Deixar ir. Todo mundo deveria receber um prêmio. Eles deixaram ir.

Deixaram ir essa necessidade de tentar se definir, se encontrar, se conhecer, se aprimorar e se tornar perfeito. Chegaram a um ponto de exaustão – alguém se identifica com isso? –, a um ponto de exaustão, de dizer: “Essa busca, essa busca desesperada, é cansativa. Vou desistir. Dane-se esse negócio de caminho espiritual e todos esses livros, esses workshops, todos esses acessórios e tudo mais! Pra mim, chega!

Nesse momento de aceitação, tudo se juntou. Então, eles riram muito, todos eles. E não importava. Não importava se não eram perfeitos, porque nunca iriam ser. Importava que se aceitaram. Importava que se amavam, com suas peculiaridades e tudo.

Contas bancárias ruins, excesso de peso, manias bobas ou coisas estranhas que vocês fazem, temperamento difícil, sua impaciência, sua falta de entendimento real do ser espiritual que vocês são. Vocês superam tudo isso. Vocês vão para a posição de aceitação.

Poderiam chamar de se render, mas é apenas se render a vocês mesmos. Não é se render a ninguém mais ou nada mais. É se render a si mesmos.

Assim, vamos respirar fundo.

O que quer que vocês achem que é falho, imperfeito, o que quer que vocês achem que são coisas que têm que trabalhar, esqueçam. [Alguém diz: “Iéééé!”] Sim. Sim. [A platéia vibra e aplaude.]

E, então, de repente, vocês simplesmente são. Vocês não tentam aperfeiçoar nada. Não tentam se encontrar. Agora, vocês simplesmente são. Com isso, as energias criativas das quais falamos mais cedo chegam correndo. “Que bom! Essa pessoa não está mais tentando entender. Está fazendo.” As energias criativas vêm correndo. A mente pode desacelerar. A necessidade de tentar fazer coisas certas ou perfeitas ou com algum tipo de ideal ilusório sai voando pela janela. É quando vocês podem se sentar aqui, hoje, e dizer: “Eu sou o Mestre. Não ligo pro que digam, eu sou o Mestre. Eu sou o Mestre.” [A platéia diz: “Eu sou o Mestre.”]

Considerem apenas mais dois fatores além destes, de suma importância – aceitar o próximo como ele é e exercer o nosso velho camarada conhecido como Amor Incondicional. Do contrário, ninguém é mestre de nada.

Agora as perguntas...

Cochichei no ouvido dela: por favor, vamos sair um pouco daqui.

Fomos lá para o portão.

Tudo parecia esquisito e sem nexo, eu esfregava os olhos tentando, talvez, me firmar no momento.

- Eu acredito em você – disse Teresa, um tanto solene e tremendamente calma.

Era a segunda vez que ela dizia isso.

- Acredito que você tenha sonhado e coisa e tal e que essa Maria Inês exista e esteja com essas dificuldades. Mas há um erro nisso tudo. Você está querendo fazer o papel de Deus. As coisas não funcionam assim. Pára com isso, cara, o momento não é para arrumar mais carma e sim realizar os seus darmhas.

Me senti esvaziado e um tanto perdido. Sem mencionar a pressão. Daí ela continuou dizendo que eu nem precisava pedir desculpas por aparecer de repente e atrapalhar sua última aula de um curso de 4 anos sobre...

- Muito bonitinha essa sua equação de... - interrompi, mal contendo a irritação daqueles que se vêem de repente perdidos e por conseguinte irritados - ...de, hã, darmha e carma, mas, francamente, cada vez mais me passa pela cabeça a noção de que estamos aqui para ajudar os outros.

- Estamos aqui para nos ajudar – frisou ela, ainda mantendo calma – até que cheguemos a um ponto em que possamos ajudar de modo pleno. Acho que ainda não é o seu caso, sem querer ofender, nem nada.

“O meu caso...”, devaneei, suspirando.

- Vou embora – volvi, olhando a rua – estou um pouco atordoado.

Nisso vinha um ônibus amarelo e branco, subindo a rua. Vim num veículo idêntico, mas ele descia. Agora esse sobe. É bem capaz de me deixar em casa. Ou eu pensei alto ou ela entendeu meu pensamento, pois havia esticado a mão e, sorrindo, disse:

- Te vejo daqui há 15 anos. E vê se pára de encucar. Tudo o que as pessoas querem é ouvir uma boa história, mais nada.

Trocamos um aperto de mão e subi a ladeira, bem a tempo de tomar a condução. Mal passei na catraca e um gajo atrás de mim, pedindo dinheiro e de violão em punho, cantarolava:

“O tempo é muito lento para os que esperam
Muito rápido para os que tem medo
Muito longo para os que lamentam
Muito curto para os que festejam
Mas, para os que amam, o tempo é eterno”.


(Imagem: Paul Himmel)







 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 17/04/2012
Reeditado em 07/07/2021
Código do texto: T3617934
Classificação de conteúdo: seguro
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