Em Algum Momento Somos Todos E.T.s

Nossa viagem começou como toda viagem de feriado prolongado começa: de madrugada. Íamos eu, minha mãe, minha noiva, sua mãe e sua sobrinha, para Varginha; a terra do E.T., a Roswell brasileira. Um típico passeio de família, sem muita expectativa em relação às atrações turísticas da cidade. Minha querida companheira dirigiu por cinco horas; eu, como não sei dirigir, não servia sequer de copiloto, por que seguíamos os caminhos indicados pelo GPS. No máximo, com minha tagarelice, fazia-a ficar nervosa ajudando a não dormir.

A única surpresa durante o percurso ocorreu quando chagávamos ao destino, no município de Três Corações, em um momento que o GPS ficou confuso e perdemos a saída da rodovia. Tivemos de fazer um retorno, contornando uma grande estátua de Pelé, pulando sobre três arcos em forma de coração. Sugeri que pode ter sido alguma influência alienígena, afinal, além de faltar pouco para chegar à Varginha; o carro estava sob o campo energético de um lugar com três aparelhos cardíacos, onde nasceu um sujeito que muitos suspeitam realmente ser extraterrestre.

Na cidade o esperado: abraços, fofocas (era preciso atualizar as noticias familiares nas duas pontas do eixo São Paulo – Minas) e comida. Muita comida: pão - de – queijo, goiabada e café para começar. Depois, no almoço, tutu (tem que ter), arroz, saladas, dois tipos de peixe (era sexta-feira santa), queijos e carne assada recheada para mim, que sou pagão e não como coisas da água nem por ordem da Santa Igreja Católica.

Todos os parentes foram bastante solícitos, tentando nos agradar de todas as formas. O ambiente agradável e o conforto da barriga cheia, fizeram a conversa correr solta. As pessoas, especialmente as mais jovens, acompanhavam com curiosidade as ações das figuras estranhas que falavam, com um sotaque engraçado, de lugares da grande metrópole, de estudo e viagens por terras distantes.

Com o peso do cansaço do dia, organizamo-nos para dormir cedo. De banho tomado e roupa trocada, só faltava deitar na cama confortável reservada pela dona da casa. Eis que um barulho estranho, vindo de fora, chamou nossa atenção. O som de uma catraca e o murmúrio de muitas vozes, entoando um tipo de cântico, levaram-me a abrir a janela e me sentar no peitoral, para enxergar o que acontecia na rua.

Um padre, seguido de alguém carregando algo que soltava fumaça, ia à frente de um rio de gente. Consegui perceber entre a multidão, alguns elmos romanos e pessoas vestidas com roupas de época. Os coroinhas, e eram vários, andavam entre os fiéis, acredito que indo de ponta a ponta da procissão, agitando suas matracas, sinos e chamando o povo para fora, para ver o corpo de Jesus sendo simbolicamente levado ao túmulo. Veio-me a cabeça a infância e os tempos da banda de musica, tocando domingo à noite no coreto de Santana de Parnaiba. Lembrei-me do meu pai, que não gostava de padre, igreja ou procissão, mas adorava a banda municipal. Ficou tão bravo o velho quando eu, aos oito ou nove anos, abandonei a escolinha de musica; logo quando aprendia a tocar o saxorne.

Tive a sensação de ser um tripulante de Star Trek, vendo em um planeta distante, a representação de sua terra natal. Mais admirada que eu, apenas a sobrinha de minha noiva: Ela correu até o portão mas, talvez por insegurança, não o abriu. Mesmo assim, assistiu empolgada aquele ritual, tão difícil de ser explicado para alguém que raramente sai da Zona Sul de São Paulo. Gritou a pequena:_ Tia, tia! É muita gente!

No dia seguinte, passeio pelas casas dos primos, depois caminhada no centro da cidade. Fotos com estátuas dos famosos E.T.s e do disco voador exposto sobre uma torre. Disseram-me que a nave é apenas uma caixa d´água, que a noite fica toda iluminada; parece que vai decolar, mas nunca poderá ir embora por que “chumbaram” o veículo à sua base. Compramos alguns souvenires, eu queria comprar cerveja, como não encontrava uma lanchonete que vendesse fiquei estressado. A casa mais interessante foi a do casal Wicka, cheia de colagens, quadros e um altar. Ele me pediu para folhear um livro que está escrevendo, enquanto ela conversava com as outras mulheres, dentre outros assuntos, sobre os baralhos de tarô guardados dentro de seu pequeno caldeirão. Saímos de lá atordoados pelo redemoinho de musica, anjos, aliens, colagens religiosas, irmandades secretas, histórias pessoais, café e planos para o futuro.

No fim da tarde todos reunidos na casa da Tia Elisa. Mais comida, o marido de uma das primas ainda trouxe seis pizzas caseiras, depois das massas Dona Elisa ainda insistia no jantar! Felizmente, para mim e minha mãe, agora tinha cerveja. Um grupo iniciou uma mesa de truco. Eu só assistia, apesar de frequentar bares, não sei jogar nada, ou melhor, só sei jogar dominó por que sei contar, e tem que ser sem parceiro, caso contrário prejudico minha própria dupla. Também jogamos videogame, isto é, até que tentei e claro; tomei várias surras no jogo de futebol. Falando nisso: achei incrível, não conheci ninguém em Varginha que torça pelos times mineiros, são todos flamenguistas, são-paulinos, corintianos... Encontrei até um torcedor fanático do Botafobo!? Com certeza tem algo de extraterrestre nisso.

Foi bem divertido, mas tínhamos de preparar o retorno a São Paulo. Arrumamos tudo para o dia seguinte: roupas e toalhas nas mochilas, garrafas d’água e queijos na geladeira.

No dia seguinte, após o último e farto café da manhã, despedimo-nos de todos e muitas viagens foram prometidas: nós que voltaríamos e eles que em breve retribuiriam a visita. Voltamos a ligar o GPS e tocamos estrada a fora. Ainda no início do caminho, alguém insistiu que minha mãe deveria conversar um pouco mais. Em resposta ela abriu um novo assunto:

_ A gente brinca com o negócio, mas eu vi na TV que parece que tem uma cidade, onde esse negócio de E.T. apareceu mesmo. Após refletirmos um minuto, rimos e continuamos o bate-papo, comentando os detalhes da viagem e as paisagens do caminho de volta ao nosso próprio planeta.