O sorriso dos mortos
Quando ficava furioso, gostava de humilhar intelectualmente, quem quer que fosse. A ironia preenchia o seu sangue nas veias como o alcoolismo envenenava seu cérebro aniquilado pelo incessante brilho da fortuna. Havia enriquecido entre artistas e celebridades por sobre a primeira vida humilde que havia conhecido diante das muitas dificuldades. Seu talento para disparar frases nocivas começou a lhe dar certo destaque devido à alacridade fácil que produzia. Mecanismo que primeiramente fascinava, logo com o passar do tempo, feria até os cães pulguentos da rua.
Sua técnica consistia em trocar de ambiente social procurando lugares modestos onde passava por alguém subjetivamente bem-sucedido. Na verdade, sua conta bancária nunca desmentia a maestria. Bebia pequenas fortunas e até pagava doses aos amigos ocasionais.
Quase sempre imbecis evasivos, dispostos a colocar gasolina na fogueira das humilhações. A demolição nascia da vaidade esvaziada como um copo sem dose.
Por efeito da porção líquida, só os imbecis rejeitam a liberdade dos vícios como o melhor meio de tratamento, pois, o resíduo da ausência perturba, acabando por se transformar no fantasma do fracasso. Esses espelhos fracassados acabavam junto dele, numa espécie de dívida quanto à fidelidade de princípios. Exigia submissão completa àqueles diabos que frequentavam a beirada de seu copo e as caronas em seu carro de luxo. Quero dizer que após algumas reflexivas doses de generosidade pretendia ser seguido em ideias como os medíocres escoam feito um rio dentro de um “twitter” qualquer.
Havia vendido a alma aos produtos consumados da ilusão produtiva. No fundo, descera aos infernos dos cantores de quinta, categoria que possui fama, riqueza e milhões de seguidores. Para ele isso era incontestável: são medíocres, porém, ricos. Irrefragáveis conceitualmente. Basicamente dominam o mercado contra qualquer presença de profundidade real, brilhante, com ou sem isenção da complexidade. Tornaram-se tradicionais como ladrões de brilho precioso ocultado pela inteireza da parte maior de rocha vagabunda.
Para alguns é extremamente fácil conquistar dinheiro com capital, assim estes raramente compreendem a charada de quem sente na carne a ausência de posses para adquirir uma estrutura digna. Nos dias que antecedeu ao seu primeiro enfarto estava desesperado e possesso como vampiro sem sangue. Pronto para colocar o dedo em riste na cara daquele rapaz modesto que havia começado como ele a suportar certo destaque devido a brilhante capacidade crítica, quase selvagem; de revelar aos demais o conteúdo subterrâneo das mensagens diárias. Diferente de ser uma elegância marcante, sem os resíduos da sua debilidade. Seu ódio provinha de um único fator que o tornava inteiramente desfavorável: permanecia inferior intelectualmente diante daquele moço fraco financeiramente. Por mais que pulasse naquele bar de quinta de dentro da limusine branca. O dinheiro nem sempre compensa deficiências de caráter, resmungava a si mesmo. Sustentaria ocasionalmente certas diferenças de malte caro, diante do álcool barato que o interlocutor consumia na mesmo mesa de bar. Aquela bebida barata o tornava livre do poço das vaidades rebuscadas. Sentia vontade de bater nele pessoalmente quando era derrotado retoricamente numa discussão animada. Meter-lhe os punhos na cara. Esbofeteá-lo.
Seria fatal porque perderia no primeiro soco o pouco de visão que ainda restava em seu corpo definhado e detestável.
Sabia que se pensasse em matá-lo bastaria sonhar com a ideia que logo os seus canalhas mais devotos perseguiriam aquele inocente até lhe removerem as vísceras para fora do contexto.
Bebeu o uísque devagar pensando numa solução trivial quando sentiu seu peito enrijecer. Aos poucos o coração explodiu em pedaços de sangue plástico que se transformaram em pétalas coloridas de tulipas. Ruminou suas últimas palavras: um anjo alcoólatra urinou em minhas convicções elevadas. Esboçou um sorriso de morto porque havia reconquistado a forma de desinteressada de amar distintamente o semelhante. Havia perdido algo que a muito estava em si mesmo.