O TEMPO E O VENTO

O tempo e o vento

Eram aproximadamente quatro horas da tarde. Fui à padaria, a uns três quarteirões, atendendo aos clamores da minha caçula de quinze anos.

Eu voltava displicentemente, com a cabeça nas nuvens, pensativo como sempre, elaborando algum texto ou formulando algum pensamento.

Eu percebi que, há uns quinze metros, adiante de mim, havia alguém assentado no meio-fio da calçada. Pensei em passar para o outro lado da rua e evitar o constrangimento de ter que dar uma esmola a um pedinte bêbado. Recriminei-me por isso. Fui adiante tentando observar algum detalhe que pudesse me dar certeza do que se tratava.

Quando fui me aproximando, notei que era um senhor, o qual aparentava ter, no máximo, uns sessenta e cinco anos. Percebi também que não se tratava de um mendigo ou um bêbado. Entretanto, algo foi curioso, à medida que me aproximava ele me olhava, e nos olhos, com um semblante meio sorridente. Seus olhos eram azuis, meio baços e os seus cabelos claros e ralos. Há uns três metros dele, fui olhando adiante, mas ele se levantou, me encarando. Não tive como não olhar para ele, olhei-o nos olhos. Ele sorriu e estendeu a mão em um saudoso cumprimento.

___Boa tarde, tudo bem? Perguntou-me estendendo a mão.

___Tudo bem com o senhor? Respondi, apertando cordialmente a sua mão.

Pela maneira como ele se dirigiu a mim, parecíamos velhos conhecidos. Eu hesitei, tentando me lembrar o quanto o conhecia. Eu já o havia visto por ali, mas não me lembrava exatamente de onde, nem quando.

Conversamos um pouco sobre a chuva, o sol, o bairro e coisas impessoais, pois, de fato, não nos conhecíamos; pelo menos eu não me lembrava.

___Há quanto tempo você mora aqui? Perguntou-me.

___Acho que há uns quatro anos!

___Você já notou que não conhecemos bem os nossos vizinhos, como há muitos anos atrás?

___Isso é verdade, respondi, meio sem graça.

___Você sabe onde eu moro?

___Eu acho que já vi o senhor na rua do prédio em que moro!

___Vamos ver se você consegue descobrir, disse-me; vamos andando!

Descemos a rua. Estávamos há um quarteirão do prédio em que eu moro. Parei no portão do meu prédio, fazendo menção de entrar, mas ele me deteve com mais alguns assuntos meio sem sentido para o momento. Fiquei ainda mais sem graça. Eu não conseguia entender o que ele pretendia, até desconfiei que o velho fosse um pederasta, mas logo bani a idéia, não fazia sentido.

O meu telefone tocou; respirei aliviado, era a minha salvação.

___Pai, você já está chegando com o pão?

___Sim, filha, estou no portão do prédio, já vou subir!

Apontei para o pacote de pães e disse que precisava subir. Porém fui surpreendido por uma atitude inusitada do homem. Ele olhou para mim, abaixou a cabeça, meio envergonhado, e começou a chorar.

Um sentimento de compaixão me rasgou ao meio.

___O que foi, o que está acontecendo com o senhor?

Ele finalmente me fez entender tudo o que realmente se passava.

___Eu não consigo me lembrar onde é a minha casa! Eu sei que moro por aqui, mas me esqueci onde é; disse-me ainda, em lágrimas, envergonhado.

___Eu vou ajudar o senhor! Por que a gente não sobe, toma um café? Depois eu vou chamar em todos os apartamentos dessa rua, até encontrar a sua casa!

Depois do café e de trinta e duas campainhas tocadas, o homem, alegremente encontrou a sua casa. Senti-me realizado com esse grande feito.

Enquanto eu caminhava de volta, cerca de duzentos metros, pensava comigo mesmo: Quando somos crianças, não sabemos onde moramos e nem temos memórias pretéritas, pois não há história decorrida. Depois de velhos ou adoecidos pelo Alzheimer, voltamos a não ter memória nem de onde moramos, pois o tempo e o vento as levaram.

Pus-me em lugar do homem e senti angústia, temendo que, talvez, esse tempo e esse vento, pudessem fazer de mim, um dia, o que fizeram do pobre e pouco velho homem.

Pensei, a nossa vida é como uma fumaça que o tempo e o vento levam; por isso precisamos viver a vida com honra e dignidade; para que, ao olharmos para trás, com ou sem memória, saibamos que não devemos nada à vida, e que a vida também não nos deve nada; apesar dos bons e maus momentos vividos.

Naassom G. Paula

Extraído do meu Livro: O Cronista