SONHOS QUE JAZEM ACORDADOS

Sonhos que jazem acordados

Olhar-se no espelho, meio dormindo, assim pela manhã e deparar-se com uma face nova, que não a sua, não é tão surpreendente assim. Acontece, às vezes, com qualquer mortal. Principalmente, se ele está completamente desiludido de seus sonhos. Aconteceu com Gustavo, certa vez. Olhou-se no espelho, demorado. Piscou um olho, a resposta simultânea assegurava que era ele. Mas tinha consigo, que alguma coisa estranha tinha acontecido naquela noite. Afinal, o mundo desandara a seus pés. Escrevera mil histórias, publicou algumas, contos, crônicas, artigos em revistas, até um romance, considerado o primogênito bem amado. Esperou afoito que acontecesse, que desabrochasse para as audiências, que o lessem sofregamente. Nada aconteceu. Nem um comentário, nem uma notícia boa, nem uma página de jornal. Tudo burocrático, organizado por ele e 10% pela editora. Como pensava que teria este vigor todo para tocar em frente, conquistar as platéias, dar entrevistas, divulgar o seu produto. Apenas um filho, acalentado em sonhos durante as viagens que fizera em torno da imaginação claustrófoba. Nada acontecera. Fizera umas sessões de autógrafos, umas reuniões com os amigos. Vendera alguns livros, mas só isso. Não foi adiante. Teve que tomar uma decisão difícil. Botar a boca no trombone, gritar aos quatro ventos, mostrar o que tinha produzido e revelar ao mundo a enganação que sofrera, ingenuamente. Pensara que seria ajudado pela editora, que teria sua obra fixada no mural dos autores, que veria resenhas nos jornais, nas páginas da Internet. Ilusão. Calar-se. Era a outra atitude. Aquietar o espírito e conceber a si mesmo que a estrada bifurcava logo ali adiante e que não havia caminhos paralelos. Foi o que fez ou o que se permitiu fazer. Deprimiu-se. Foi desta vez, que se olhou no espelho e viu apenas um espectro de si mesmo, um reflexo apagado da própria figura. Era apenas mais um, na busca de um troféu que não era o seu, de um prêmio que não lhe entregaram, de um reconhecimento que não tivera. Gustavo ficou assim, se olhando por mais um minuto. Mas foi só. Afinal, o tempo passava depressa. Aquele hálito pegajoso no espelho, já não era mais seu. Era do espelho, que bafejava satisfeito na sua cara. Abandonou-o de vez e disse para si mesmo que recomeçaria mesmo assim. Não com aquele virtualismo todo, mas com a vontade de expressar-se sob qualquer circunstância, em qualquer suporte, em que pese as dificuldades para fazê-lo. Quem sabe, num feedback de comentários, sinta novamente o sabor da luta.

Gilson Borges Corrêa
Enviado por Gilson Borges Corrêa em 14/04/2012
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