O Que é Ficção Cientifica?

Outro dia desses na biblioteca pública, despertei o interesse da bibliotecária, que me pareceu ser muito jovem para o cargo. Ela me perguntou qual era o estilo de livros que eu gostava de ler, e, ao responder que meu estilo favorito era ficção cientifica, ela se mostrou confusa e me perguntou o que era ficção cientifica, e se Harry Potter era ficção cientifica, já que narrava aventuras fora do normal.

Bem, para elucidar isso eu disse que ficção cientifica era todo tipo de estória que contivesse elementos de ciência, mas acredito que não fui suficientemente claro. Por isso deixe-me ver melhor o que é ficção cientifica e do que trata a ficção cientifica.

Creio que o termo “ficção cientifica”, passou a ser usado ainda no inicio do século vinte, quando eram editadas, nos Estados Unidos, revistas em papel barato chamadas de pulps, com estórias de aventuras onde a ciência era plenamente abordada, mesmo que sem conhecimento cientifico de seus autores. Primeiro essas estórias eram chamadas de superciência, mas logo o termo ficção cientifica ficou cunhado e popularizado.

A ficção cientifica como a conhecemos vem dos tempos das estórias de Julio Verne, mas mesmo na época, essas aventuras eram chamadas de viagens fantásticas, não de ficção cientifica. No século dezoito o filósofo Voltaire escreveu um conto chamado Micromegas, onde visitantes de outros planetas, Sírius e Saturno, visitam o planeta terra e ficam chocados com os costumes bárbaros dos terráqueos, dando assim inicio ao tipo de enredo de ficção cientifica onde nosso mundo e nossos costumes são analisados por seres diferentes, provenientes de outros orbes.

Há quem diga que o livro de Jonathan Swift, “As Viagens de Guliver”, foi o primeiro romance de ficção cientifica conhecido, mas eu discordo, porque Swift não usa em momento algum de conhecimentos científicos, e desse modo podemos classificar seu livro apenas como viagens fantásticas, ou fantasia. Sendo que fantasia é um tipo de literatura onde fatos sobrenaturais dominam a trama, como magia, e não se usa a ciência, nem para justificar, nem para explicar os acontecimentos.

No início do século dezenove temos ainda Mary Shelley e seu famoso romance, O Monstro de Frankenstein, onde vemos um cientista que cria uma forma de vida humanóide a partir de partes de cadáveres. Em minha opinião, esse cientista está mais para um alquimista, alguém que se utiliza de meios mágicos para criar seu “homem artificial”. E embora seja descrito como um cientista que quer imitar a obra divina da criação, na estória toda não é descrito nenhum meio cientifico para isso. Por isso, e pelos elementos de suspense, acredito que essa obra esteja mais para o terror gótico, como as obras de literatura que inspiraram Mary Shelley a escrever esse romance.

De volta ao século vinte, temos as pulps que popularizaram a ficção científica, que podemos classificar como Hard ou Space Ópera. A ficção cientifica hard representa um tipo de ficção cientifica onde a ciência é plenamente respeitada, sendo que o autor procura se ater ao que a ciência atual conhece, e todos os elementos científicos são abordados de maneira fiel, como o exemplo de “2001 – Uma Odisséia no Espaço”, de Arthur C. Clarke, ou no Brasil, a trilogia de Jorge Luiz Calife, “Padrões de Contato”. Já a Space Ópera, se originou do termo Soap Ópera, porque nos anos trinta e quarenta havia programas de rádio nos Estados Unidos que transmitiam estórias de ficção cientifica mais amenas, para jovens, sem se preocupar muito com a possibilidade de vincular a ciência de maneira fiel. Esses programas eram patrocinados por uma marca de sabão, por isso foi cunhado o termo soap ópera, que, com o tempo, foi substituído por space ópera.

A ficção cientifica do tipo space ópera pode ser entendida como uma sobreposição de histórias de fantasia, faroeste, capa e espada e outros gêneros, acrescentando-se aí um pouco de ciência, mesmo que não muito exatas. Um exemplo claro disso são as aventuras de Jornada nas Estrelas, onde temos uma nave espacial explorando uma galáxia pouco conhecida, ao exemplo dos navegadores de séculos atrás se aventurando por oceanos desconhecidos. Ou ainda temos Guerra nas Estrelas, uma adaptação de uma estória de aventuras, com uma princesa sendo resgatada pelo jovem herói, um vilão mascarado e lutas de sabres, recheado com viagens espaciais e robôs. Como é dito no inicio da saga: “Há muito tempo atrás, numa galáxia muito, muito distante...”

Há quem diga que a ficção cientifica é um gênero de antecipação do futuro, ou seja, que muitas coisas vistas ou lidas nas estórias de ficção científica se tornam realidade com o tempo. Como os comunicadores portáteis de Jornada nas Estrelas que precederam os telefones celulares, ou os monitores de imagem de Flash Gordon, que se tornaram reais hoje em dia, ou mesmo as viagens no submarino Náutilus de Vinte Mil Léguas Submarinas, ou a viagem até a lua, preconizadas por Julio Verne. Mas a esse respeito, eu lembro H. G. Wells, que em seus escritos, antecipou a primeira e a segunda guerra mundiais, uma crise de combustíveis fósseis e ainda o fim dos recursos naturais do planeta. Wells, que escreveu a Guerra dos Mundos, disse que, se prestarmos atenção aos principais fatos e acontecimentos em nosso tempo, podemos, de certo modo, prever o que se seguirá no futuro.

Uma coisa que a ficção cientifica é, como podemos notar, é um retrato da realidade e do tempo em que foi escrita. O escritor de ficção cientifica por mais que tente inovar ou explorar caminhos desconhecidos, sempre acaba por retratar a sociedade, os costumes e as idéias de seu próprio tempo. Como o exemplo da Guerra dos Mundos de H. G. Wells. Quando este romance foi escrito no fim do século dezenove, a Inglaterra era o maior império do mundo, e, juntamente com outros países europeus, invadiram, dividiram e exploraram o continente africano com a força de seus canhões e armas de fogo, dominando uma população ainda primitiva que desconhecia essas armas, sendo detidos, mesmo que temporariamente, apenas pelas doenças africanas, que mataram muitos soldados. É nesse mesmo contexto que Wells imagina o que seria da Inglaterra e do dito, mundo civilizado da época, se fossem invadidos e dominados por uma raça extraterrestre, com tecnologia muito superior ao que os europeus conheciam.

Por fim, acho que posso dizer que a ficção cientifica pode se apresentar ainda de duas maneiras diferentes, de maneira utópica e de maneira distópica. De maneira utópica apresentando um mundo melhor segundo as aspirações de seus escritores, seja num futuro distante ou numa realidade alternativa, com a população mundial desenvolvendo suas aptidões naturais, respeitando a natureza, e colonizando outros mundos. E de maneira distópica, apresentando um mundo devastado pela cobiça e sede de enriquecimento de algumas pessoas e suas megaempresas empenhadas somente em lucrar, e tratando as pessoas como objetos feitos apenas para consumir. Essa realidade, a propósito, parece muito com nossa realidade atual, o que leva muitos escritores de ficção cientifica a imaginar um mundo melhor no futuro.

Atualmente a ficção cientifica pode ser retratada e explorada em certos nichos como o Cyber punk, que apresenta um futuro cheio de máquinas e tomado pela tecnologia, com pessoas vivendo sem propósito, numa distopia onde servem apenas para consumir toda a tecnologia vendida, enquanto alguns grupos, que não têm como consumir, são esquecidos e marginalizados. Tem ainda os estilos Steampunk e o Dieselpunk. O steampunk, trata de estórias passadas no tempo das máquinas a vapor – coisa do século dezenove - e parte do princípio: “O que aconteceria se a história tivesse sido diferente?” Já o dieselpunk trata de um período histórico mais recente, no inicio do século vinte, quando a energia a diesel dominava o planeta, mas também apresenta, de maneira utópica ou distópica, de acordo com o escritor, a mesma temática:”E se a história fosse diferente?”

A melhor maneira de definir a ficção cientifica é descrevê-la como a literatura de idéias, como a definia o famoso escritor de ficção cientifica, Isaac Asimov. Se tivermos uma idéia brilhante – não precisa ser inovadora – e acrescentarmos um pouco de ciência, teremos uma estória de ficção cientifica. Depois basta explorar os desdobramentos e consequências dessa idéia.

Bem, é isso.

FIM

Paulo Salgueiro
Enviado por Paulo Salgueiro em 14/04/2012
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