A Nova Mulher

- Pierre, eu sei separar as coisas direitinho no meu coração.

Disfarçando o meu estado estupefato no meu machismo latente, comecei a observá-la atentamente para uma análise dessa mulher atual maravilhosa em que ela se transformou.

Não estou falando de um indivíduo, mas da mulher dos nossos dias, do século XXI, a mulher que os homens tentam entender, mas não conseguem, pois o processo do novo aprendizado é lento e talvez, só novas gerações de homens consigam esse intento.

Ela estava falando da sua paixão, um rapaz de 19 anos pelo qual se apaixonou perdidamente em sala de aula e da conciliação com o seu casamento. Nos seus trinta anos de idade e num casamento de cinco anos com um marido maravilhoso (palavras dela), não demonstra crises no relacionamento e trata o marido como “meu maridão”. Sinto que é um homem especial para ela e que é feliz com ele. O casamento sequer está morno ou em crise. É o que ela passa em suas palavras.

Mas ao vê-la com seus lábios um pouco intumescidos talvez pela excitação de estar ao lado do seu amado de idade tenra, com seu olhar lânguido quando o olha, evitando tocá-lo por estar em minha vista e de outro colega, mas louca por fazê-lo, vejo o quanto é forte, bonito e transcendental esse sentimento.

Após muitos copos de cerveja, ela já não se contém e todas as formas de hipocrisia das relações entre os homens são alijadas nesse momento. Ela se entrega ao verdadeiro estado do ser e suas declarações de amor brotam do coração como uma jovem de quinze ou dezesseis anos, no ginásio.

O rapaz, sempre numa postura de defesa, sorri o tempo todo e brinca com o assunto que parece não ser sério para ele, sem a consciência do quanto é sério para ela.

A viagem dos sonhos é exatamente só dela, pois ele está em outra realidade, naturalmente voltado às coisas da sua idade e sem maiores pretensões de envolvimentos amorosos. Está um pouco extasiado com a situação, pois a massagem no ego é tamanha que não pode dar-se ao luxo de esnobá-la. Quantos homens desejam isso e ele, tão novo, consegue assim de mão beijada.

Todos os assuntos que seriam tratados na reunião são colocados em segundo plano, e vejo que tudo foi uma pequena artimanha dela para ficar ao lado dele. A felicidade no seu olhar é visível.

Tento dissimular meus pensamentos (do outro colega também, soube depois), pois a situação pode acontecer conosco, afinal também somos casados e temos casamentos também “aparentemente seguros”. Mas agora enxergamos esse lado, e aí?

Quando dei carona ao colega (um tanto quanto "alto" da cerveja) até sua casa, ele divagou em voz alta dizendo: - tenho que repensar meus conceitos. Eu sorri, e fui embora pra casa, também pensando e matutando sobre o fato.

Quando nos despedimos na porta do barzinho, meu colega disse ao casal de pombinhos: não vão de mãos dadas, por favor. Era um misto de inquietação e de proteção com o casal amigo no sentido de evitar problemas futuros para os dois e para nós todos, já que a felicidade estava transbordando (pelo menos da parte dela) e qualquer briga com o marido poderia mudar a história. Seguiram os dois até o ponto de ônibus.

Procurando entender um pouco o processo, onde uma mulher está vivendo com o marido que a trata com desvelo e carinho, numa relação onde existe um filho, onde projetos de vida estão sendo feitos, viajo então de volta no tempo, à minha própria vida, quando no meu primeiro casamento, exatamente com trinta e poucos anos tive experiências extraconjugais.

Paixão desvairada por uma mulher, paixões efêmeras por outras, mas sempre com a certeza que “amava” minha esposa. Sentia plenamente as diferenças dos relacionamentos e sabia separar as coisas, como disse minha colega.

Tantos anos se passaram e hoje, ao deparar-me com essas declarações tão sinceras de uma mulher, vejo o quanto a prisão do casamento é complicada.

Prisão que só é prisão se estivermos insatisfeitos com a situação, mas que nos deixamos acorrentar se o relacionamento satisfaz plenamente.

Mas então, por que acontecem essas fugas mesmo quando aceitamos tacitamente a prisão?

Um cientista nos diz que são coisas dos hormônios do animal homem. Aqueles seres das cavernas, macho e fêmea, ainda existem dentro de nós e as atrações sexuais são inerentes a todos nós, mas as convenções sociais nos fizeram escravos das relações.

Então tentamos julgar, analisar e procurar entender algo que parece não ter explicação, pois crescemos com conceitos deterministas e as coisas essencialmente naturais surgem às nossas vistas como insólitas ou mesmo anormais, quando a visão deveria ser exatamente oposta.

O conceito de propriedade impregnou até mesmo as relações sociais e quando dizemos “meu filho”, “minha mulher”, “meu marido”, sentimos a força do sentimento de posse em tudo o que nos permeia.

As mulheres mudaram? As mulheres não traíam antigamente? As mulheres estão se emancipando? Claro que não. Mudaram-se os costumes, mas as mentes são as mesmas e então podemos inferir que tudo estava latente, simplesmente esperando o momento propício para a libertação.

Os desejos delas sempre existiram e não são menores que os dos homens, senão mais intensos, desde quando nunca se satisfazem somente com o sexo pura e simplesmente. Tem que ser algo mais completo. O sorvete tem que ser com cobertura e outros ingredientes. O homem se satisfaz com um sorvete de casquinha de uma bola, a mulher quer uma Banana Split completa.

Mas como já dizia há muito tempo nosso maravilhoso maluco beleza, Raul Seixas, “Se eu te amo e tu me amas e outro vem quando tu chamas, como poderei te condenar? Infinita tua beleza, como podes ficar presa que nem santa no altar? Quando te escolhi para morar junto de mim eu quis ser tua alma ter seu corpo, tudo enfim, mas compreendi que além de dois existem mais. O amor só dura em liberdade, o ciúme é só vaidade, sofro mais eu vou te libertar. O que é que eu quero se eu te privo do que mais venero que é a beleza de deitar?”.

Ora, o cara já sabia em suas andanças transcendentais, do que havia por trás do relacionamento homem/mulher e a pressuposta fidelidade impingida ao contrato. Mas como os eternos loucos sábios, cantou em prosa e verso nos mostrando a sua visão.

E o homem comum não acorda (ou não quer acordar) para essas coisas que só os poetas sabem viver e então fingem viver da forma “correta”, fechando os olhos para essas coisas, resultando numa quebração de caras diariamente e cada qual lambendo suas feridas após as separações.

Então entramos num dilema em que os machões não conseguem assimilar (ou é mais cômodo fechar os olhos), que os “direitos” são iguais e todos esses anos que os homens traíram estão sendo plenamente vividos agora da mesma forma pelas mulheres.

Alguns dirão que estou detratando as mulheres, mas não são casos isolados, estamos vendo o tempo todo na tv, nos jornais ou qualquer outra mídia. As mulheres não são mais as mesmas! Diria um machão.

Mas acho que sempre foi uma coisa só, porém as pressões eram tremendas e se tornava impossível o afloramento dos sentimentos da mulher. Afogavam tudo em seus peitos e suas vontades eram dissipadas em afazeres domésticos e outras atividades “femininas”, passando séculos enrustidas em si mesmas.

Então hoje me deparo com uma colega, casada, que ama o marido, se diz feliz com o casamento e mostra em seu semblante o quanto é apaixonada por outro rapaz que não tem a mínima vontade de ter um relacionamento sério (em termos convencionais) com ela. Mas para ela o futuro desse relacionamento pouco importa, a vivência do romance a satisfaz plenamente e a presença do amado a enleva, enlouquece e completa. O sexo é complemento. Vive a princesa dos romances e estórias.

Então, dentro do meu eterno machismo descubro a alegria de ver a felicidade dela e começo a pensar sobre a felicidade de “minha” mulher.

Enquanto eu estava com esses colegas tomando umas cervejas, minha esposa estava trabalhando. São plantões de 12 ou 24 horas que me separam dela e o medo de enxergá-la como essa colega me deixa cabisbaixo, cabreiro. Nessas andanças de trabalho tudo pode acontecer. Minha testa dói. Vou pra casa.

Será que a faço feliz? Mas se a faço feliz, adianta? Não quero entrar em paranoia com essa inexorável liberdade total das mulheres.

Então, mais um dilema: e se minha esposa deixar aflorar esses sentimentos abrindo o coração (e outras coisas) para outro? Como suportarei o impacto? Não sou o novo homem, mas posso vislumbrar o futuro deste.

O pior é que as novas gerações de rapazes parecem ser cada vez mais machões que antigamente.

E nas minhas elucubrações, tento (como a maioria dos homens) pensar em outras coisas, levar a motocicleta ao mecânico, cuidar dos gatos e cachorro, preparar meus projetos na Faculdade, continuar as minhas pesquisas acadêmicas, preparar a minha própria comida, lavar as minhas roupas e outras atividades, pois apesar de ser um homem que tenta se amoldar à evolução dessa “nova” mulher, ainda sou de outra geração e o aprendizado é árduo e o caminho inóspito.

02/12