PÓ PÔ PÓ?
Quando nascemos não nos é dado o direito de escolhermos família, aparência e nem o lugar onde nascemos, mas fui feliz com os pais que tive, não desgosto de nada no meu corpo e ter vindo ao mundo em Miracema, estado do Rio de Janeiro, não me infelicita.
Contudo, assim como nós vamos agregando à nossa família as pessoas que nos tratam como filhos ou irmãos, ou vamos corrigindo em nossos corpos as coisas, que não nos agradam plenamente; também acabamos escolhendo os lugares onde gostaríamos de viver.
Adoro a cidade onde moro e já declarei que se Deus me perguntasse: “Norma, você gostaria de nascer, crescer ou morrer em Linhares?” Minha resposta ao Pai seria: “Os três, Senhor!”, mas hoje eu quero confessar um outro lugar que também me faria feliz por demais: Belo Horizonte!
A capital mineira não tem mar, não tem a Lagoa Juparanã, mas tem uma efervescência cultural e artística que me encantam. Nem sempre pensei isso sobre ela e já cheguei a ficar mais de seis horas “escondida” dentro do seu aeroporto menor, traumatizada com uma “patada”, que eu levara de um matuto, há alguns anos, apenas por ter lhe perguntado onde ficava a Lagoa da Pampulha: “Ocê tá si fazeno di besta?” foi a resposta que ouvi. Dei azar. Só isso!
A vida se encarregou de me levar para lá muitas vezes: congressos Pitágoras, cursos e turismo. Então aprendi a amar o povo, o Palácio das Artes, o Minascentro, o Mercado Central, o ICBEU, o Parque Municipal, o La Grepia, o Esopo, o Alambique, o Pinguim, o Hard Rock Cafe, o Porto do Bacalhau, o Empórium Mineiro, o Diamond, a Savassi, o Lourdes, a Praça da Liberdade, a Afonso Pena, o Barro Preto, a Feira de Artesanatos...
Uma outra coisa que me agrada muito é a musicalidade do sotaque, especialmente daqueles que têm fortes raízes no interior. Mineiro legítimo termina as frases com “Uai” ou “Uai, sô” e para ele todas as coisas são “Trem”. Só eles desconfiam do que lhes contamos, nos perguntando uma dessas duas coisas: “Cê boba?” ou “Cê besta?”.
Onde mais as pessoas usam diminutivos ou o gerúndio, “engolindo” os finais das palavras: “Barzin” (Barzinho), “Mininin” (Menininho), “Piquenin” (Pequenino), “Trenzin” (Coisinha), “Poquim” (Pouquinho), “Cadim” (Bocadinho) “Lugarzim” (Lugarejo), “Comeno” (Comendo), “Fazeno” (Fazendo), “Ino” (Indo)...? Apenas em Minas Gerais, creio, e eu acho isso tudo um charme.
Eu me divirto muito tentando traduzir o que escuto pelas ruas de BH: "Émêzz?" (É mesmo?), "Némêzz?" (Não é mesmo?), "Óiquió." (Olha aqui, olha), “Litdileiti” (Litro de leite), “Onzz" (ônibus), “Proncoía?” (Para onde eu ia?), “Oncotô?", (Onde é que eu estou?),"Proncovô?" (Para onde que eu vou?),"Confófô eu vô." (Conforme for, eu vou), "Vômábãin" (Vou tomar banho), "Júda redá ess treim daquió." (Ajude-me a arrastar essas coisas daqui, olha), “Gradei docê” (Gostei de você), “Vantomá um cafezin laimcáss" (Vamos tomar um cafezinho lá em casa?)
Essa última frase me fez lembrar de um diálogo ouvido em 2006, quando eu cursava o MBA em Gestão Acadêmica e Universitária:
- Mãe, pó pô pó?
- Pó? Pó pô!
Dois minutos depois:
- Pó pô mapoquim dipó?
- Cê bôba? Possim, suinjueza!
O local era cozinha da casa de Lúcia, uma amiga que é doutora em Linguística, mas que não perdeu as raízes do interior. Ela e a sua mãe preparavam um lanche da tarde em minha homenagem. Sobre a mesa um bolo de milho quentinho, os pães de queijo e um Canastra novinho, esperavam que a água passasse por aquele coador de flanela encardido de pó de café.
Apenas o contexto e os meus olhos me permitiram traduzir o diálogo que eu ouvira:
- Mãe, posso pôr o pó (no coador)?
- Pó? Pode pôr.
Dois minutos depois:
- Posso pôr mais um pouquinho de pó?
- Você é boba? Pode sim, sua enjoada!
Gosto tanto dessa terra e desse povo, que eu volto de lá com um sotaque igualzinho ao deles, por isso eu finaliz ess text perguntano procê, meu leitô: gradô dele?