O "GOSTO" DE JESUS
Ela tinha noventa e seis anos de idade. Perdera três dos cinco filhos, e o marido a quem amava desmesuradamente. Setenta e dois anos de uma vida conjugal exemplar, testemunhada no reflexo da educação dos filhos.
Pouco a pouco foi definhando após a morte do amado. Daniel e Neuma (filho e nora) tomaram sobre si toda a responsabilidade assistencial necessária para a sua recuperação. Os sofrimentos ocasionados pela enfermidade agravavam-se dia após dia. Os médicos utilizavam todos os recursos indispensáveis... A melhora não acontecia.
São Paulo nos ensina: “Quando eu sou fraco, então é que sou forte.” A fortaleza que se instalou durante todo esse período de angústia e incerteza no coração de Daniel, diluiu-se, e ele caiu. A revolta apoderou-se de sua alma. A humanidade falou mais alto. O homem forte tornou-se fraco. E num diálogo franco e aberto com a sua esposa, revelou a sua decepção com Deus e a tomada de decisão: “Neuma, você reza tanto, faz novenas, vive com o terço na mão... Quero comunicar que a partir de hoje não vou mais à missa.” O silêncio tornou-se o interlocutor entre os dois. A decisão havia sido tomada de maneira irreversível. Para Neuma sobraram apenas lágrimas, diante do coração ferido e magoado do esposo. Respeitou-o nesse momento de dor. O que restava? Rezar, rezar, rezar. Joelhos no chão e olhos no céu, ela clamava ao Senhor para que tocasse o coração de Daniel. Lágrimas de súplicas de uma alma angustiada e sofrida, jamais voltam sem resposta do trono de Deus.
Em um desses dias Neuma sentiu um “toque revelador.” Algo a impulsionava para que fosse até o Mosteiro de Nossa Senhora da Vitória. Convidou Daniel, e apesar do tempo exíguo, acompanhou-a. recebidos com alegria e carinho pela madre Aparecida, foram comunicados que monsenhor José Alves de Lima celebraria a Eucaristia pelas suas ‘Bodas de Rub’i, bem como pela recuperação de dona Maria.
A celebração é iniciada. O casal emociona-se. A boa vontade do monsenhor – cadeirante há alguns anos – os faz refletir sobre a força do Altíssimo. Durante todo o tempo mantém-se na cadeira de rodas. No momento da Consagração, o pão e o vinho são transubstanciados na carne e no sangue de Jesus – trata-se do mistério da nossa fé. Ao chegar o instante da Comunhão, aproximam-se do banquete Eucarístico. Ao receber Jesus na hóstia consagrada, monsenhor José fixa os olhos em Daniel e diz: “Permaneça aqui.” Em seguida tomou o cálice: “Daniel, tome o sangue de Jesus, e deixe um pouco para Neuma.” Assim se fez. Ao terminar a missa, Daniel ouviu a indagação de sua esposa: “O que você achou disso tudo?”
Algo de excepcional, inexplicável, acontecera. “Neuma, aquele vinho não tinha gosto de vinho. Seu gosto era intraduzível. E nunca havia sentido uma paz tão grande. A revolta que trouxera no coração, dissipara-se; seu semblante irradiava algo diferente; sua atitude transmudara-se em gestos de acolhimento e amor. Olhando fixamente nos olhos da amada, agora com o coração curado e cuidado pelo sangue de Jesus, completou: “Quero dizer a você que - todos os sábados às quatro horas da tarde - iremos à missa juntos.”
Quando uma esposa “derrama a sua alma na presença do Senhor”, a resposta vem imediatamente. Revelando a sua fragilidade e sua pequenez, Daniel apenas abriu o seu coração à graça divina. E aquele sangue o revestiu de uma fortaleza intraduzível, como intraduzível é o “gostinho de Jesus”.
Dois dias após, dona Maria, vencida pela enfermidade e pela dor, partiu para os braços do Pai, ao encontro dos entes amados que a precederam.
ALMacêdo
10/04/2012