O torneio de xadrez da semana santa em Fortaleza

Descobri o prazer de jogar o jogo de xadrez há mais de dez anos, e de lá para cá andei tateando no meu amadorismo e insistindo em participar de torneios abertos, pois como a palavra já diz, aceita todos os tipos de enxadristas que por lá aparecem, desde os grandes mestres aos capivaras de primeira linha, e não pensem que me situo entre esses. Como creio que em todo jogo existe uma pequena ou grande cota de azar, já aconteceu de eu vencer jogadores muito mais fortes que eu, pra sorte minha e não deles. É sabido porém, que o lado racional predomina nessa prática e talvez seja esse o motivo maior do jogo se tornar tão amado pelos que apreciam a lógica e a estratégia. Na verdade o jogo de xadrez é uma batalha, é uma espécie de discussão onde não importa quem vence no início nem no meio, o que interessa mesmo é o final das contas, ou seja o abandono da luta ou o xeque-mate. Dito isso gostaria de contar o que me ocorreu nos quatro dias do evento de Fortaleza. Eram cento e cinquenta os inscritos para jogarem sete rodadas, dentre esses estavam quatro grandes mestres, oito mestres internacionais e dezenove mestres FIDE, muitos outros de grande força, os medianos ou menos que isso como eu e os principiantes, que nem por isso merecem de todo o nome de fracos. O evento se deu num belo hotel à beira mar e teve início na quinta feira dia 5 de abril à noite. Na sexta, houve mais duas rodadas uma pela manhã e outra a tarde, à noite houve um outro evento de partidas rápidas, a quarta rodada do clássico só teve início no sábado à tarde e mais a quinta à noite e a sexta e a sétima no domingo pela manhã e à tarde respectivamente. Mas eu já falei demais de coisas pouco atrativas, me interessa agora descrever o que houve na quinta e na sétima rodada que joguei. Confesso sem nenhum constrangimento que perdi as quatro primeiras e não fui o único a passar por isso, mas chegou a hora de jogar a quinta, e quem era o meu adversário? um menino de nove anos, de olhos esverdeados cujo nome é Giovanni Vescovi, filho do grande mestre do mesmo nome. Ele também não havia vencido ninguém até ali. Eu estava escalado para jogar de brancas e saí com o peão do rei e ele adotou uma defesa siciliana, sei que em poucos lances a vivacidade do garoto me causava assombro, seus olhos atentos a mim, sua aparente indiferença para com as peças, e seus movimentos infantis brincando com a folha de anotações, se levantando a cada jogada que fazia, me faziam perceber que com todas aquelas divagações, ali estava alguém que poderia ser mais adulto que eu naquele jogo. Mas fiquei na minha e me concentrei, procurando fazer as melhores jogadas que minha idéia brindava e fui indo. Em um dado momento ataquei um ponto do tabuleiro e deixei outro pra ele atacar, e ele recuou, e eu depois da partida fui analisar a posição num programa de computador e vi que eu poderia ter perdido a partida se ele tivesse tomado o peão que estava no centro, sei que passado o momento de duplo ataque recuei com mais cautela e parti pra um ataque lento contra as suas peças e fui bloqueando bispos cavalos torres e a própria dama dele. Já no final ele sacrifica um cavalo pra se livrar da pressão e a partida termina com a minha suada vitória, vitória essa que talvez não se repita jamais contra aquele em cujas veias corre o sangue de campeão. Ao nos cumprimentarmos no fim, senti na mão dele o peso da mão de um adulto da minha idade e o seu olhar a me encarar serenamente, mas a vontade que me deu foi de abraçá-lo como a um filho meu e colocá-lo sentado no meu ombro. Perdi a sexta e fui jogar a sétima no domingo à tarde contra um cidadão de oitenta e nove anos cujo nome é Luiz soares de Macedo. Esse cidadão não usava óculos, coisa que pra mim aos cinquenta de idade é indispensável, ele estava um pouco trêmulo mas pegava as peças com presteza e sabia exatamente onde colocá-las melhor. Ele estava de brancas e começou com o peão do rei e eu usei a defesa Nimzovitsch, que procura desde o início se manter no bloqueio, mas foi em vão e no quinquagésimo oitavo lance eu abandonei com dignidade de quem não espera o mate e digo o que achei daquilo tudo. Em matéria de xadrez o que mais importa é o que o cérebro dita, é o raciocínio... aquele homem quase aos noventa anos era mais forte do que eu em matéria de raciocínio naquele jogo e naquele momento, e eu apertei a sua mão e ele ainda me disse que havia recebido de mim uma lição naquele dia, em seguida me apresentou à sua esposa dizendo que eu era o senhor que tinha concedido a vitória a ele, pura piada de veterano velho. E eu me senti feliz com aquela brincadeira, mas confesso com toda sinceridade, que procurei jogar todas as partidas da melhor maneira que pude. Com tudo isso, também não posso omitir também que só enfrentei jogadores de rating mais alto que o meu, e eu gosto é disso porque se ganho, noto que estou desenvolvendo um pouco, e se perco não digo que estou regredindo, procuro tirar boa lição daquele erro.

Eu não vou terminar esse relato sem dizer mais alguma coisa sobre esses meus dois oponentes, o primeiro que é o menino tem rating de 1883, já o ancião tem um de 1757, enquanto o meu é de 1693, mas eu não disse quem é o velho ainda, pois bem ele é o pai de Máximo Valerio Macedo e avô de Máximo Iack Macedo, mas quem são esses dois? alguém pode estar perguntando e eu direi com toda a satisfação de fidalgo jogador, eles são dois potiguares, mestres da Federeção Internacional de Xadrez, são figuras que trazem no sangue a ancestralidade lógica e inexorável do jogo de Caíssa, que é a deusa do xadrez, ensinada por aquele homem sóbrio e quase centenário que jogou comigo a última partida do torneio. Mas uma vez faço questão de dizer da lisonja e orgulho que povoam meu peito...esses jogos ficarão escritos no anuário histórico do Ceará, nos arquivos da Federação Internacional e principalmente em minha memória de modesto, porém prazenteiro jogador.