Só Bala resolve

Bala é o apelido desse cara que bebe no bar de Zé. Bala tem uma história de vida incrível. A gente topa com essas figuras em mesa de bar e fica sabendo de coisas surpreendentes. Descobri que esse rapaz é filho de Biu Guarda. E quem danado é esse Biu Guarda? Um ancião com mais de 80 anos que foi muito respeitado em Jaguaribe. Ele fabricava armas de fogo e munição. Um autodidata, analfabeto, armeiro de primeira qualidade, amigo de policiais. Fabricava qualquer revólver de qualquer calibre. Certo dia a casa caiu: a Polícia Federal invadiu a casa de Biu e acabou com a fábrica clandestina de armas e munições.

Na qualidade de repórter de mesa de bar, colhi alguns dados a respeito de Biu e seu filho Bala, que logo cedo aprendeu também a fazer bala, mas não era bem tratado pelo pai. Levava surras de criar bicho. Caiu no mundo. Foi viver nas ruas, pegando frete no Mercado Central, convivendo com a escória humana que sobrevive naquelas paragens. Dormia nos becos, comia quando encontrava frutas meio podres na feira. Fora as doenças dos infectados lamaçais do mercado, comida deficiente e feras rondantes no meio do tráfico de drogas e prostituição, o grande risco para o menino Bala era ser reconhecido como o filho de Biu Guarda, informante da polícia e odiado pelos marginais. Nas madrugadas de batalha, escondia-se com os ratos para não morrer.

Bala correu da polícia e dos meliantes, mas escapou. Virou homem de bem. Aprendeu a arte de pintar paredes e de pedreiro. Aquarteirou-se nas oficinas de Jaguaribe onde faz bicos, já fez uma menina em outra menina de 16 anos, vai vivendo. Por defesa estratégica, nunca fala do seu pai, ainda vivo. Só quando toma umas talagadas de aguardente.

Li faz muito tempo um livro de Jorge Amado por nome “Capitães de Areia”. No romance sobre meninos de rua de Salvador, Bahia, havia um garoto cujo apelido era Bala. Foi, pois, pensando nessa personagem que ouvi a história do Bala de Jaguaribe. Por um motivo que não sabe explicar, Bala tem orgulho de sua história. Uma forma engraçada de orgulho. Ter sobrevivido ao mundo cruel criado por uma sociedade injusta, e apresentar-se hoje como um cidadão, serviçal de confiança dessa mesma sociedade.

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Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 12/04/2012
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