O amor não vivido
- Querida amiga, por que chora?
- Porque não vivi o meu grande amor!
- Oh! Então, acha que este amor não vivido, que não aconteceu na vida comum, sem graça, então, acha que este grande amor não vivido não existiu?
- Sim, acho, meu amigo!
- Pois você se engana redondamente. Alegre-se querida, porque aquilo que de alguma forma vivemos permanece em nós por toda nossa vida, em instâncias sublimes onde vivemos expectativas, desejos ardentes, onde fizemos viagens com o amado, atravessamos desertos, florestas, neste mundo maravilhoso da imaginação. Este tema do não vivido foi magnificamente explorado pelo eterno Artur da Távola, que nos deixou páginas maravilhosas sobre o amor. Aqui, querida amiga, falo do seu amor não vivido específico, apesar de usar alguns argumentos do Távola, pois já fui inoculado com o bom “veneno” do grande cronista. Contente-se com minhas pobres palavras, com o pouco que seu amigo aprendeu e que tenta, com ternura, lhe mostrar alguma coisa.
E digo mais, querida amiga, só pessoas especiais como você podem viver plenamente o não vivido. O amor vivido situa-se na vida comum. Na chamada normalidade. Isso é muito pouco, minha amiga.
Os nossos melhores propósitos, aquilo que sempre quisemos ser, aquele impulso criador de reformar o mundo, de amar mais bonito com aquele amor que surgiu de repente, sem pedir licença, essas vidas não vividas são o que temos de melhor na nosso rica imaginação, querida amiga!
Quantas coisas lindas pude fazer. Manter-me criança pura, pular de alegria com a infância distante, dizer palavras mágicas, falar a língua do “p”, para abrir portas e janelas dos meus sonhos mais queridos. Descobrir novos universos. Nesta vida não vivida, amiga, está o seu grande amor, intocável, que ninguém pode destruir, sem as regras da sociedade, sem as normas que impedem este amor. E o bonito, amiga, é que este amor pode prosseguir e ninguém é prejudicado, pois se situa numa dimensão superior. Que vidinha concreta pode superar isto?
Não sabia que temos mais vidas não vividas do que vividas? São vidas paralelas e até simultâneas. Quando nossos melhores escritores inventam suas terras prometidas estão vivendo o não vivido com toda a intensidade. E você, amiga, teve a ventura de iniciar um amor intenso, travado por algum motivo pela vidinha rasteira...
Esta vida existiu para você, continue a vivê-la, pois ela jamais morrerá. Na vida não vivida a amizade é mais amizade, o irmão é mais irmão, o amor é muito mais amor, o sexo é mais sexo. Esta sublime vida vive, vive com mais intensidade e eu sei que você sente e sabe disso. Existe e insiste em permanecer para sempre. Que bom que insiste...
Viva este não vivido, mas que existe, e que ninguém no mundo, por mais que tente, por mais que peça, poderá tirar de você.
Este amor intenso, pleno, é seu, querida amiga, viva e goze por toda a eternidade.