Não morrerei só
O velório foi muito concorrido. Alguns compareceram por curiosidade e outros para constatar se dessa vez a velha empacotaria mesmo. Dona Cleomilda era de poucos amigos,e era odiada por quase toda a cidade. Não dava nem bom dia, não pedia e nem oferecia favores. Enterrara o marido e dois filhos e nos últimos tempos vivia em companhia de uma empregada e uma enfermeira. As duas espalharam pela cidade o tratamento desumano que recebiam na casa. A megera era cheia de manias. Tomava o desjejum pontualmente às cinco e meia da manhã, almoçava as onze e jantava as cinco. Nos intervalos das refeições fazia questão de receber em mãos, frutas descascadas, picadas e sem sementes. Tudo tinha que estar na mais completa ordem e por causa de um grão de poeira, a empregada levava uma descompostura capaz de fazê-la chorar. A enfermeira também não tinha regalia. Era a última a se deitar e era acordada diversas vezes durante a noite para buscar água para a patroa, ou para arrumar lhe as cobertas. As funcionárias aguentavam seus desmandos ,porque na cidade era difícil conseguir trabalho e porque o salário recebido era bom.Dona Cleomilda era uma mulher saudável e se mantia ao seu lado uma profissional da saúde,era pelo medo que tinha da morte. Qualquer dorzinha a deixava em pânico e por causa de um simples resfriado,não dormia e nem deixava ninguém dormir.A cidadezinha era cercada por um córrego extenso e mal cuidado.Um paraíso para os insetos e apesar de toda a limpeza exigida,um mosquitinho burlou a vigilância entrou na casa e picou dona Cleomilda. Ela que já estivera nas garras da morte diversas vezes e escapara, sobrevivera á doenças, mordidas de escorpião, tétano e até facadas, sucumbia agora, por causa da mordida de um mosquitinho travesso. A mulher foi levada ao hospital com febre e forte dor de cabeça, mas não quis permanecer hospitalizada. Enfraquecida pela moléstia, mas forte em seu orgulho, preferiu voltar para casa. Passados alguns dias seu estado de saúde piorou, e a bruaca passou dessa para outra. O velório transcorreu tranquilo e na hora de fechar o caixão, uma senhora notou que um das mãos da defunta estava meio fechada. Ao endireitarem seus dedos, perceberam um mosquito morto já há algum tempo. A megera partiu, mas levou consigo a causa da sua morte. 11-04-2012 (Para a amiga Zeni Silveira Chagas)