Boi da cara preta
Quantos adultos de hoje dormiram ouvindo suas mães cantarem o “clássico” canto de ninar, “Boi da cara preta”? Sei lá por quais cargas d’água, depois de adulto me pego pensando nesse escuro chifrudo.
A letra, mais profunda que muitas atuais, (admito) dizia: “Boi, boi, boi; boi da cara preta, pegue esse(a) menino(a) que tem medo de careta.” Ao som dessa “tranquilizadora” mensagem, os infantes pegavam no sono.
Ora, se meu problema era ter medo de careta, por que eu dormiria, estando minha “protetora” invocando esse monstro para me pegar? Possivelmente o teor ameaçador da estúpida mensagem sequer entrasse nas mentes infantis, que se atinham apenas à eufonia da voz, e à segura presença materna.
Não pretendo rever a letra dos cantos de ninar, acho que até já foi feito, mas, avaliar uma faceta infantil de nossas personalidades, onde, uma voz “agradável” tolhe nosso senso crítico, e “dormimos”.
Não raro, esse “canto de ninar” é a bajulação, como fazem os políticos em campanha. Todo ano de eleição, começam a embalar nossos berços e cantar, “Boi, boi...” digo, começam a dizer coisas que nos fazem parecer importantes, tipo: “Você tem o poder nas mãos”; “Seu voto é você em Brasília”. “Eu serei sua voz”, etc. etc. No rio grande do sul está no moda o “Boi sa” creche, outro paliativo eleitoreiro como o “boi sa” família.
Dormi muito ouvindo essas canções. Depois de eleitos fazem os mais espúrios “pactos de governabilidade”, leia-se, leilão de cargos em troca de apoio; outros, que me convenceram a votar neles para deputados, assumem secretarias, para as quais são incompetentes, apenas por conveniências partidárias, anulando meu voto, e esquecendo seus enfáticos cantos de ninar. Nesse caso, eu me sinto meio cara de bunda, quando esses safados fazem isso.
Alguém disse o seguinte: “Teu maior amigo é aquele que te fala as maiores verdades”. Apesar de veraz essa frase, se ousarmos ser totalmente verdadeiros em nossos relacionamentos, por certo arrumaremos inimizades várias.
Não estou advogando a mentira, mas, afirmando que, às vezes aquilo que é o certo no prisma intelectual, pode ser desagregador no aspecto emocional, então, em nome da manutenção da paz, omitimos algumas coisas e ignoramos outras, sem sermos, por isso, mentirosos.
O mesmo Senhor disse aos discípulos: “Ainda tenho muito que vos dizer, mas, não podeis suportar agora.” Jo 16; 12
Estamos prontos para o elogio, não para a crítica. Para as promessas, mais que as advertências. Como diz uma canção do Aguinaldo Timóteo: “Mente pra mim, mas diz coisas bonitas.”
Claro que protegia aos pequenos a falta de capacidade para entender o teor da mensagem cantada; mas, no nosso caso, a falta de senso crítico nos torna estupidamente manipuláveis, presas fáceis de espertalhões.
Que o digam as “ovelhas” dos Macedos e Santiagos da vida. Embora o “sine qua nom” do evangelho seja a reconciliação com Deus mediante Jesus Cristo, eles fazem parecer que a Bíblia é apenas o “Divino Manual” para enriquecer; quem não dormiria com um canto assim?
E nesse caso, o chifrudo da cara preta vem mesmo, só que, não para atrapalhar o sono dos pecadores adormecidos, mas, para continuar embalando, o leito do egoísmo indiferente.
Nossa missão, pois, é meio desmancha-prazeres, inconveniente como despertador aos ouvidos do preguiçoso, figura, aliás, usada por Paulo.
“Desperta tu que dormes, levanta-te dentre os mortos, e Cristo te esclarecerá.” Ef 5; 14