Maria

Maria era uma mulher simples e rude como as pedras que ornavam o caminho em volta da casa, uma mulher fisicamente envelhecida apesar de sua meia idade, ou é a plena falta de vaidade que a deixa assim, parecida com as árvores. Maria vivia no campo e tinha um ritmo acelerado apesar do tempo naquele lugar não ser contado, por ser mulher era a última a dormir e a primeira a se levantar porque não se atrevia a deitar antes que certificasse que estavam todos de sua família muito bem guardados e se levantava antes que todos para mais uma vez certificar que todos iriam sair de casa muito bem arrumados, limpos e de barriga cheia. De saia longa, avental e mãos ásperas Maria andava por toda casa, por todo terreno, por todo sítio procurando algo para fazer ou alguém para cuidar, mas com a clara intenção de que tudo girasse em torno de si-mesma ou que pudesse ao menos reconhecer tanto trabalho. Seu maior medo era não ser importante, era não ser amada,por isso se desdobrava para fazer todas as vontades dos seus, porem com a condição de ser posta como rainha, deusa onipresente e onisciente da vida de cada um que tomava para si, como o passarinho que salvou da morte cuidando dos seus ferimentos no quintal com a condição de que nunca mais fosse voar. Talvez era o medo de perder-los, de perder seus entes e de se ver sozinha, de não ser importante para eles porque sabia que não tinha nada para dar além do seu trabalho e o trabalho é tão fácil de ser destruído pelo tempo, já que ninguém vê seu autor apesar de desfrutar da obra.

Maria tinha aversão ao conhecimento erudito, acadêmico porque esse não ajudava em nada a labuta do dia quando a praticidade é muito mais útil e palpável do que teorias tolas e vãs, embora padecesse também por falta desse conhecimento. Mas como transformá-lo em matéria bruta, como transformá-lo em ferramenta pertinente aos seus mil afazeres, além disso, também tinha medo de mostrar a sua ignorância e perder seu lugar de deusa, Deus também deve ter tido esse medo por isso puniu Eva e Adão, eles morderam a fruta do conhecimento e se eles viessem a saber mais do que ele? Seu controle, Maria, estava na cobrança e na exigência de que tudo continuaria ser como sempre foi.

Maria trazia em si uma figura de mãe extremamente mitológica, a mãe terrível, uma Hera da terra, rústica e incompreensível para os mitos clássicos. Era uma mulher forte como um homem porque sabia fazer tudo que um homem faria em um sítio, matava porco, fazia cerca, cortava cana, apeava cavalo, cavava buracos grandes na terra dura e carpia matos arredios, além de tirar o leite e fechar os bezerros, não havia serviço que lhe fosse difícil ou que não tentasse fazer. Trabalhar era o seu lema, dentro de casa, no quintal e fora dele. Não conhecia outra linguagem que não do suor, da sujeira e das mãos calejadas, ou dos pés com bolhas e da vida corroída feita sem um espelho, sem um batom e sem um momento de loucura e de lazer. Era sábado, domingo e feriado ela estava sempre disponível, suas mãos roçando, sua mente concentrada apenas no fazer e no fazer, e o que queriam mais? Como poderiam ou ousariam discutir ou questionar sua centralidade e seu amor? Como ousariam crescer e não depender mais de ti, filhos e netos, não seria melhor terem pequenas asas? Na lenda da Águia e a Galinha, bem que preferia a galinha, tão mais fácil de cuidar e alimentar e de continuar sendo quem era.

Maria simples mulher. Graças a Deus os bichos reconheciam-na como deveras e não ousavam e criticá-la, ao contrário, estavam todo momento em sua volta e parecia que Maria conseguia falar com eles, ouvi-los. Não ouvia um só animal no sítio que não a procurasse e que não ficasse ao seu lado, por onde ela passava as galinhas, os pássaros, os gatos e os cachorros a seguiam. Se e resolvesse sentar um pouco, todos se aconchegavam em seus pés esperando talvez a comida, mas com certeza o afeto cru e grosso, mas verdadeiro e que por ora dele se alimentavam mais do que dos grãos ou leite distribuídos. Era o afeto cru e grosso que fazia aquele sítio viver, fazia as plantas brotar e os animais criar e continuar, pois quem sentiria como eles? Maria fazia e fazia, cozia e plantava, cuidava e protegia tanto sua família quanto seus bichos, contudo, não tinha dó de torcer o pescoço de uma galinha ou de destrinchar um porco quando fosse preciso, quando a fome apertasse a barriga de seus filhos sem permissão de saírem de seu ninho. E para quê? Ela não estava ali? Não fazia manteiga, queijo e doce de leite do leite? Não fritava o toicinho e guardava na banha para ter toicinho para o futuro? Não ralava a mandioca, cozinhava-a, torcia no pano, secava-a e torrava farinha no tacho de cobre? Não rapava cana e não fazia garapa para ganhar uns trocados para o pão? Não guardava a banha para cozinhar o feijão e não guardava o óleo para fazer o sabão? Suas mãos sem creme, suas costas sem protetor solar, seus braços manchados, sua roupa suja de gordura e seu olhar vago esperando ao menos ser notava e vista por seus entes amados de um amor arredio e possessivo como o amor de um deus, ou melhor, de uma deusa mãe.

Adrienne Kátia Savazoni Morelato
Enviado por Adrienne Kátia Savazoni Morelato em 09/04/2012
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