A Gorda Maria... das Dores
Já conheci vários hipocondríacos, cada um com suas diferentes queixas, mas tem duas especiais que ainda guardo na lembrança: uma era evangélica que, em suas orações não pedia cura, pelo contrário, agradecia as enfermidades e guardava com maior carinho seus preciosos remédios numa linda cristaleira. Suas doenças imagináveis eram disfarces para abrandar a depressão e antes de morrer, seu último desejo foi ser enterrada num caixão na forma do vidro do Biotônico Fontoura. Morreu feliz.
A outra foi uma mendiga gorda que sentou ao meu lado no banco da praça, em frente ao antigo Banco Real, Fui obrigado a ficar na pontinha do assento quando se esparramou toda suja e rasgada, fedendo igual gambá. Eu apertei o nariz, enquanto ela murmurava seu infortúnio:
- Aí, sofro tanto que quando morrer vou pro céu!
Sinceramente ouvir aquilo era demais, coisa de religiosa burra, associando sofrimento como passaporte ao paraíso, tipo se Jesus sofreu e subiu aos céus, sinal de que também sofrendo poderia ir. Mas não lhe dei assunto, sabia que desejava papo, no mínimo iria me dizer que era filha de Maria Madalena, depois de apedrejada.
De tanto ouvir suas lamúrias, fiquei irritado e lhe disse:
- Olha aqui dona, se pensa que esse seu sofrimento vai lhe levar ao céu está muito enganada, do jeito que está, se morresse agora, nem o diabo aguentaria.
Mas logo me arrependi dizer isso: a mulher ficou brava, de santa virou bruxa, sua preguiça sumiu e num salto me esculachou:
- Escuta aqui: o senhor precisa respeitar o sofrimento alheio, não sabe diferenciar uma santa de uma prostituta, não passa de um ateu hipócrita, sem vergonha e pode ter certeza que vou me queixar ao padre.
Nem me abalei com suas pragas e apenas disse:
- Tá bom, minha senhora... .Pode reclamar ao Padre, ao Bispo, ao Sacristão, amém... E me calei esperando o “diabolin” se acalmar.
Como não respondia mais nada, ela resolveu ir embora, saiu mancando, fingindo dor na perna e quando estava virando a esquina, resolvi gritar:
- Vai, vai sua fedorenta, pensa que o céu é alguma fossa, se bobear o diabo defeca em cima de você, sua latrina. Ela ficou irada e tentou voltar, mas era muito preguiçosa, apenas fez um gesto obsceno com o dedo médio para o alto e os outros dobrados. E antes de virar a esquina, finalizei:
- De santa você só tem as quatro últimas letras, sua ANTA!