DDD - Diário de Derrotas [26]
14h54m
Jesus só me dá trabalho: já me forçou a ir a igrejas na infância; me fez ser vítima do que hoje em dia chamam de bullying; bota pessoas chatas no meu caminho sempre que pode, costuma ser advogado da corja mais filha da puta que habita o planeta e etc. Não posso ir contra a hegemonia da fé que depositam nele, tampouco minha cara feia pode desanuviar o cinismo e a hipocrisia que suas datas "comemorativas" instilam nas pessoas que costumam ser indiferentes umas às outras durante todo o resto do tempo possível.
11h30m
Acordei agora. Não tive um sono exatamente bom como esperava. Como meu corpo prometia. Como a quantidade de horas dormida - e tão sonhadas durante os dias úteis de sofrimento - pediu.
Ontem conseguimos nos reunir pra andar de skate; a mesma crew que começou a andar junta lá nos primórdios dos anos 2000. Andamos por umas quatro horas seguidas, depois fomos de cerveja e pizza. Depois, andamos mais uma hora. Comentei isso com um amigo que tem cerca de sete anos a menos que eu; comentei que estava quase sem pernas hoje por conta disso. Ele achou pouco. Sete anos atrás eu também achava pouco: era das onze da manhã às dez da noite, quase que sem parar. O problema dos dias de hoje é que meus nervos já não agüentam mais muito tempo andando de skate. Qualquer vídeo que você assistir, com qualquer cidadão que anda bem ou não, terá pelo menos uns flashes de um chilique, de uma explosão, de gritos de ódio, de tênis e skate voando e de cabeçadas em parede. Basta jogar "Hockey Temper Kerry Getz" no Google e comprovar. Eu fico mais ou menos que nem ele. Só que eu não bato o skate na cabeça porque dói demais e dá tontura. Eu não jogo mais de bico no chão porque meus últimos shapes me custaram uma fortuna. Hoje em dia eu me resumo a me xingar, a dar tapas na cara e puxar os cabelos. Não grito tanto também. Sinto uma dor no coração quando o faço. Nada de murros no queixo também, porque dói demais. Estou ficando velho e fodido. Não sei nem do que estou falando mais, pra falar a verdade...
12h15m
Antevejo um mau humor do cão. Essa porra de dia da ressurreição resolveu ressuscitar também a inocência de tentar agradar gente hipócrita e o desejo de estragar o meu dia no coração da minha mãe. Na quinta-feira à noite eu informei que teria uma semana cheia de provas e de que precisaria de toda a paz possível pra tentar estudar - algo que já não me é naturalmente fácil. A sexta-feira eu tirei o dia pra ficar dormindo e não fazendo nada. Ontem, sábado, respondi algumas questões das matérias online e estudei com pouco afinco, e me dediquei ao meu amor-e-ódio mais duradouro.
Hoje.
Hoje.
Domingo.
Me vem a notícia.
A notícia de que um peixe especial será preparado. Peixe que eu não como. Peço que pra mim seja preparado um strogonoff de leve, com um purê de batatas. Nada de extraordinário/trabalhoso.
Há uma garrafa de Coca e uma de guaraná Taií na geladeira.
Estou estudando câmera digital x câmera analógica, e há o barulho da máquina de lavar.
Estou respondendo as questões sobre o conteúdo acima, e acertei todas de primeira, felizmente. Sinto que estou pegando o jeito da coisa.
Estou estudando Teoria das Cores nos Sistemas RGB e CMYK, e o texto está um pouco empolado, denso, técnico. Tenho que ler duas ou três vezes. Há poucas questões, das quais erro todas.
Concomitantemente, há um tal de telefone tocando sem parar.
Estou lendo um texto complicado sobre sistemas Aditivos e Subtrativos de cores.
O telefone toca, e dois rapazes de quinze ou dezesseis anos que não moram aqui passam pela porta do meu quarto dando risadas, falando de jogos.
Estou lendo sobre qualidades fisiológicas do som, não entendendo caralho nenhum, e chega a prima agregada com seu filho barulhento que costuma entrar no meu quarto sem ser convidado e dizer: o que você tá fazendo?
Estou querendo morrer. Mas não sem antes levar pelo menos uns cinco filhos da puta comigo.
13h45m
Passei a última hora vendo vídeos e intercalando entre a cama e a cadeira do computador. O problema de intercalar entre a cama e a cadeira do computador é que todas as roupas que usei durante o mês e que não jogo pra lavar fazem o mesmo, se é que alguém me entende. Minha mãe já veio até aqui duas vezes pra me falar que o almoço está pronto, mas estou tão puto com o barulho das duas televisões, da máquina de lavar roupa, da conversa das crianças, dos adolescentes e dos adultos, que estou sem fome. Queria que essas pessoas morressem. Ou eu mesmo morresse, e que a culpa da minha morte recaísse sobre alma de cada um e que isso facilitasse que eu os assombrasse eternamente.
Deve ser legal ser fantasma.
14h00m
A luz é acesa na minha cara quando estou pegando no sono. É um prato de comida que é deixado na cadeira. E ela diz: eu trouxe, porque senão você fica sem.
Mas, gente, se as pessoas fossem educadas e tivessem o mínimo de bom senso eu não ficaria sem comida, não é? Afinal, não é uma família de mendigos famintos. Não é?
Mas aqui não funciona assim. Às vezes eu penso que a vivência na rua me criou melhor do que qualquer dogma de valor pseudo-familiar babaca.
Então eu olho o tal prato de comida.
Dá pra contar os pedacinhos de frango que deveriam compor um strogonoff. O purê é só um risco amarelo por cima do feijão.
Comeram tudo, e isso foi o que me sobrou.
Me perguntam se eu quero o guaraná. Eu digo que quero Coca.
Mas não tem Coca. A Coca que, inclusive, eu dei o dinheiro pra ser comprada.
Assim que levo o prato na pia, vejo gente que eu nunca vi na vida com mais comida que eu no prato.
Bebendo Coca.
15h00m
Essa é a hora que eu contabilizo tudo que devo e tudo o que consigo ganhar líquido por mês, incluindo venda de benefícios - vale alimentação/refeição - e possíveis horas extras, bem como meus gastos fixos mensais - a faculdade, por exemplo -, e procuro uma amiga - que, inclusive, escreve textos bem doídos por essas paragens - que procura apartamento, porque enfrenta problemas similares com os familiares.
Porque antes viver só e na pindaíba do que viver uma pindaíba só.
Ou coisa assim.
15h48m
Foda-se o Cristo.
08/04/2012