Bem feito pra mim!
®Sunny Lóra
A Casa de Saúde ficava a poucas ruas de nossa casa. Era uma casa grande e extremamente limpa. Tinha cheiro de éter e eu não gostava nada de entrar lá. Entretanto, nas minhas andanças pela rua, vi uma senhora com uma criança no colo e outras três à sua volta, todos chorando. Ela tinha os olhos mais azuis que já vi. Sua pele era queimada de sol e cheia de manchas. Os cabelos eram escondidos pelo pano sujo e seu vestido ainda tinha o usual avental que era usado na época.
O que me chamou a atenção era o choro de todos, muito baixinho e muito contido. Eu via, através da porta de molas, a enfermeira severamente colocando o dedo indicador nos lábios, proibindo que chorassem alto. Chorar baixinho é para poucos. Aquele choro que vai soltando as lágrimas, bem devagar, que lavam nosso rosto, poucas pessoas tem esta capacidade, que hoje eu chamo de sublimar.
Não resisti e fui perguntar o que havia acontecido, mesmo sabendo que a criança já não mais existia nesta passagem tão rápida pela terra. A senhora me disse que ela perdeu o filho de um dia para o outro e ainda não sabia a razão. Anos depois, alguém me falou que era a fome que rondava aquela família com muitas crianças. O pai roçava a terra e ela dividia seu escasso tempo entre lavar panos velhos e cozinhar feijão com mais água que grãos. Um dia decidiu pedir ajuda nas casas de minha terra. Alguns a ajudavam, outros não.
Eu fiquei tão enternecida com a cena que corri para casa e catei tudo que pude, com a autorização de minha mãe, assustada com a minha ansiedade de resolver logo o assunto. Enchi uma sacola com roupas misturadas com saquinhos de papel com feijão, fubá e farinha e corri para o hospital. Ainda me lembrei do pão na sacola da cozinha e voltei para pegá-los. Com muita avidez, as crianças comeram o pão. A mãe não sabia como me agradecer. E eu, feliz da vida – na verdade mais enternecida do que feliz, achei que tinha feito a maior façanha do mundo.
E foi sim. A partir daquele dia, ela e suas crianças invariavelmente vinham até o portão de nossa casa, quando mamãe anunciava solenemente que minha nova amiga havia chegado. Para mim, durante muito tempo, era maravilhoso poder juntar objetos e alimentos para aquela família, que passou a ser parte da minha vida.
Cresci e deixei minha pequena cidade. Sempre perguntava por ela e as pessoas me diziam que o esposo havia falecido e que ela havia se mudado com a prole para Fundão, uma cidade vizinha à nossa. Nunca mais vi aqueles olhos azuis. Sei que eles não mais pertencem à terra, pois muito tempo se passou...
Nem sei qual foi a razão que escrevi esta passagem hoje. Por ser Páscoa, todos falam em renovação, começar de novo, dar-se oportunidade de reviver, de amar mais, de tentar ser amado.
Mesmo que tentemos aproximação com algumas pessoas, sempre encontramos uma negativa, que nos deixa perguntando que razões elas tem do "não posso", mas procuro entender o que se passa e resignada, recolho-me por algum tempo, até que outra vez meu coração peça arrego de novo.
Moro num prédio de um número médio de moradores. Difícil de conseguir um Bom Dia... Mesmo assim tentei uma façanha. Enfeitei uma cartinha para todos, cheia de fotos de crianças bonitas. Na cartinha, que cuidadosamente deixei por três dias dentro da caixinha de avisos do elevador social, eu pedia livros infantis para uns brasileirinhos que estavam precisando.
Hoje, Domingo de Páscoa, retirei a cartinha que fiz com tanto amor. O resultado de meu pedido foi um sonoro NÃO de todos. Eu não recebi um telefonema, um bom dia, um livro sequer.
O mundo não é mais o mesmo e a tendência é que o egoísmo seja o grande vencedor na vida de muitos.
Bom domingo! Abril de 2012
Imagem Google