TAMBORETE
Rosa Pena
Tamborete é catador de latas nas praias, para os lados de Saquarema. Quem freqüenta o local conhece essa figura já folclórica de lá.
Diz que nasceu em um ninho — acho que deve ser mesmo, pois tem um gogó invejável. Atualmente afirma que sua casa é o mar.
Durante anos, foi violeiro, repentista. Atraía fregueses para as barracas de peixe frito e salgados, instaladas na praia. Tirava um troco e, como sempre disse, foi isso que o ajudou a criar seus quatro tamboretinhos, hoje homens feitos.
No percurso da vida, a viola quebrou, as barracas viraram quiosques, o som passou a ser eletrônico e ele virou catador de mariscos.
Com o progresso, veio a sujeira e os mariscos não mais batiam nas praias. Apareceram as latas, e virou catador delas.
Junta-se a isso as mais diversas funções: abridor de nossos guarda-sóis, achador de nossos filhos perdidos, fiscal de nossas bolsas, apanhador de cervejas...
Mas a essência de passarinho não permitiu que sua voz se calasse. Sempre fez tudo cantando e, até hoje, esse pernambucano de quase setenta anos, macérrimo, legítimo caboclo, trabalha criando rimas. Um trovador do cotidiano.
Em janeiro fizemos uma vaquinha (lista de contribuições) e com o dinheiro arrecadado compramos uma viola nova para ele. Entregamos no sábado de carnaval.
Tamborete ficou que nem pinto no lixo. Não largou mais a viola e reanimou nossas vidas cansadas, com suas mãos calejadas e sua voz afinada. Cantava e sorria, aquele sorriso sem dentes, rimando com seus repentes.
Ali, nós, poetas urbanos, da gravata tiramos o nó; despimos o jaleco e o guarda-pó; juntamo-nos ao poeta sem teto, em uma voz só.
Acendemos e apagamos as estrelas por dias seguidos.
As diferenças jogadas ao mar.
Afinal, como canta João Bosco: "São cores do mar, festa do sol, vida fazer todo sonho brilhar, ser feliz..."
2002
do livro:Com licença da Palavra/2003
Rosa Pena
Tamborete é catador de latas nas praias, para os lados de Saquarema. Quem freqüenta o local conhece essa figura já folclórica de lá.
Diz que nasceu em um ninho — acho que deve ser mesmo, pois tem um gogó invejável. Atualmente afirma que sua casa é o mar.
Durante anos, foi violeiro, repentista. Atraía fregueses para as barracas de peixe frito e salgados, instaladas na praia. Tirava um troco e, como sempre disse, foi isso que o ajudou a criar seus quatro tamboretinhos, hoje homens feitos.
No percurso da vida, a viola quebrou, as barracas viraram quiosques, o som passou a ser eletrônico e ele virou catador de mariscos.
Com o progresso, veio a sujeira e os mariscos não mais batiam nas praias. Apareceram as latas, e virou catador delas.
Junta-se a isso as mais diversas funções: abridor de nossos guarda-sóis, achador de nossos filhos perdidos, fiscal de nossas bolsas, apanhador de cervejas...
Mas a essência de passarinho não permitiu que sua voz se calasse. Sempre fez tudo cantando e, até hoje, esse pernambucano de quase setenta anos, macérrimo, legítimo caboclo, trabalha criando rimas. Um trovador do cotidiano.
Em janeiro fizemos uma vaquinha (lista de contribuições) e com o dinheiro arrecadado compramos uma viola nova para ele. Entregamos no sábado de carnaval.
Tamborete ficou que nem pinto no lixo. Não largou mais a viola e reanimou nossas vidas cansadas, com suas mãos calejadas e sua voz afinada. Cantava e sorria, aquele sorriso sem dentes, rimando com seus repentes.
Ali, nós, poetas urbanos, da gravata tiramos o nó; despimos o jaleco e o guarda-pó; juntamo-nos ao poeta sem teto, em uma voz só.
Acendemos e apagamos as estrelas por dias seguidos.
As diferenças jogadas ao mar.
Afinal, como canta João Bosco: "São cores do mar, festa do sol, vida fazer todo sonho brilhar, ser feliz..."
2002
do livro:Com licença da Palavra/2003