Aconteceu numa Sexta da Paixão
I
Essa história que vou lhes contar posso chamar de: “A vela da procissão”. Eu devia ter uns nove anos de idade. Morava na pacata cidade de Cubatão-SP.
Era sexta-feira santa. Coloquei a minha melhor roupa que era sem dúvidas, o meu uniforme escolar. Apanhei uma vela e saí sem avisar a ninguém. Fui ao encontro da procissão, não sei porque, mas, fui.
Fiquei passarinhando na esquina onde o cortejo religiosa passaria. E por fim passaram os congregados Marianos, as filhas de Maria, os anjinhos, o andor, homens e mulheres cantando louvores e tocando matracas, aí pensei: - É agora! E misturei-me àquela multidão!
A marcha lenta seguia serpenteando as vilas com seu rosário de luz. Aquelas velas protegidas por um copo de cartolina. Porém, a minha timidez impedia que eu pedisse a alguém do lado que acendesse a minha vela. E assim foi até a dispersão em frente da matriz. No meu bolso, um chiclete velho (um Pin-Pong) e a tal vela ainda intacta. Foi o meu padrinho Sebastião Marques quem me localizou e levou-me para casa. Lá todos já se encontravam aflitos com o meu sumiço. Apesar do ato nobre de seguir uma procissão, não me faltaram as repreendas.
Depois do pito, mamãe pegou a vela e solenemente acendeu-a próximo a um mourão da cerca.
E assim para finalizar, cumprindo a sua missão, queimou madrugada adentro, ali mesmo no portão, a vela da procissão. Ufa! Até rimou!
Nunca mais segui uma procissão, mas não foi por causa desse episódio. Acho que foi porque um dia, o padre me expulsou do catecismo!
II
Em determinada época do ano, bastava olhar para a Serra-do-Mar e ver as manchas roxas das quaresmeiras, ou Jacatirões, como bem lembrava Afonso Schmidt. Fenômeno tempestivo que anunciava o período de recolhimento.
E era já no final de um desses recolhimentos que outro fato aconteceu. Foi durante a encenação da paixão e morte de Cristo, e eu estava lá. Era encenada próxima à antiga fábrica Anilinas. Foi naquela parte em que Judas trai e sai correndo e arrependido se enforca numa figueira. Um homem embriagado que ali se encontrava, e que já perturbava há um bom tempo, invocou-se com Judas e inesperadamente gritou com voz silábica quebrando o silêncio já quase no auge da encenação. -- Aí... já vai safado? Aquilo foi tão inusitado e hilário que não só a platéia ria. Só pra saber: O Centurião, também acometido de um ataque de risos, esqueceu a cena e correu disfarçadamente justo para onde correra Judas. Aí, o tal bêbado lavou a égua... a dizer coisas...imaginem só!
((Esses fatos são verdadeiramente verdadeiros. Cubatão, início dos anos 1960))
José Alberto Lopes.