Um Peso, Duas Medidas

O grande Oscar Wilde diz que “a coerência é a virtude dos imbecis”. Não sei se contrario o notável mestre da ironia e do sarcasmo, mas acho que sempre vou me considerar, no mínimo, surpreso diante das incoerências. Porque às vezes elas nos afligem, e muito. E de uma forma que, se não nos deixam perplexos, ficamos desiludidos, desanimados ou, na pior das hipóteses, curiosos.

É o caso (na vida moderna, ou na de sempre) dos supermercados, grandes shoppings, lojas de departamentos, etc. Praticam diversos tipos de assaltos aos clientes – na linguagem popular diríamos roubo – sem serem importunados. Seja na qualidade dos produtos que vendem, na validade dos artigos de consumo, no peso das mercadorias, etc. De todo jeito somos roubados. Se determinadas metas de venda não são atingidas, fácil é o processo de compensação: basta aumentar o preço de venda dos produtos. E para que não haja prejuízo para a categoria, é estabelecido um cartel e os mesmos preços passam a ser praticados por todos os estabelecimentos. Criando-se a oportunidade de o público ser lesado de novo. Numa ganância jamais satisfeita, os preços dos estacionamentos são abusivamente aumentados, com o beneplácito ou conivência das autoridades, elevando-se ainda mais os prejuízos de quem vai a um supermercado ou shopping, etc.

E as pessoas pagam sem reclamar. Porque sabem que a reclamação não tem a quem ser feita. Em que pesem as ações dos organismos de defesa do consumidor, na prática tudo continua na mesma. Não existe uma mudança substancial. No caso dos estacionamentos, por exemplo, onde as intervenções das autoridades em defesa dos consumidores poderiam ser mais imediatas, observa-se a total omissão dos que teriam o dever de defender o bolso do contribuinte. Os políticos, sempre preocupados com a próxima eleição, não ligam pra isso. O prefeito nunca vai achar que foi eleito para atuar contra esse tipo de injustiça cometida contra a população. Afinal ele, os políticos e muitas autoridades estão imunes a esse tipo de problema – não têm que pagar estacionamento. Por isso as reclamações se tornam inúteis. Sem contar o fato de que precisam do apoio (financeiro, doações, etc.) dos comerciantes e do empresariado para se elegerem.

Aí uma cleptomaníaca senhora de meia idade, com ares de integrante da chamada classe média, pelas roupas que usa, entra num supermercado e furta uma lata de leite em pó. Ou entra numa megastore especializada na venda de materiais de construção e esconde na bolsa uma lâmpada eletrônica. Existe um sofisticado dispositivo de segurança, com várias câmaras de vídeo no teto, nas prateleiras, etc., para prevenir esse tipo de ação. Além dos inúmeros leões-de-chácara espalhados pela loja. E a bolsa da mulher é implacavelmente revistada na saída. E se de fato houve o furto, isso pode ser motivo de escândalo, ou até de agressões físicas, por parte dos leões-de-chácara, em função de aparentemente se tratar de uma pessoa que não teria motivos pra proceder daquela forma. Um RJTV qualquer que esteja passando vai gravar a cena, com o repórter ressaltando que, apesar da idade e de provavelmente se tratar de uma pessoa da classe média, a mulher se prestou àquele tipo de atitude.

No entanto, os assaltos cometidos contra a população são protegidos, consentidos, permitidos e, porque não dizer, institucionalizados. Na medida em que dificilmente são punidos.

Certamente isso não terá peso suficiente para tirar o mérito da frase proferida pelo grande Oscar Wilde. Nem essa é a intenção. E muito menos seria argumento para que deixássemos de o ter em conta como o grande escritor/pensador que é. Mas não podemos fechar os olhos à relação de um peso e duas medidas tão comum ao mundo em que vivemos, capitalista ou não, e que se manifesta praticamente em todas as direções. Tal é o caso da grande nação do norte, que não quer permitir que outras se beneficiem (?) do enriquecimento do urânio, devendo apenas ela ter esse direito. Com respeito, meu caro Oscar, isso pode?

Aquela senhora deveria ser ajudada a livrar-se da cleptomania. Mas quem vai ajudar os comerciantes, os empresários, os políticos e muitas vezes até o Governo a perder o hábito de enganar, iludir, trapacear e ludibriar a população? Seremos nós com esse tipo de manifestação? Ou será a obra de um grande escritor?

Rio, 18/03/2009

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 06/04/2012
Reeditado em 06/04/2012
Código do texto: T3597091
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