A PÁSCOA

Páscoa, Pessach em hebraico é para o povo judeu a festa anual em memória da saída do Egito. Para os cristãos é a festa para comemorar a ressurreição de Jesus Cristo, isto é, da sua passagem da morte para a vida.

Sobre a Páscoa, em anos anteriores já escrevi por mais de uma vez porém, sempre enfocando mais o sentido religioso deste acontecimento maior, para nós cristãos, pois se não fora a ressurreição de Jesus, de nada nos valeria a nossa fé. A Páscoa ultrapassa em significado o próprio Natal de Jesus, embora em terras das Américas, o Natal seja mais festejado, talvez pelo lúdico que ele representa, pela doçura dos cânticos natalinos, pelo feérico das ruas e das vitrines das lojas do comércio, que ao fim e ao cabo, um aparato que nada mais é do que o chamariz ao consumo. O Menino aniversariante é relegado a segundo plano infelizmente. O material sobrepõe-se ao espiritual. Assim caminha a humanidade...

Mas hoje eu gostaria de ressaltar o lado telúrico da Páscoa que em muitas terras europeias e particularmente, em Portugal, e em especial na província, ainda se conserva, não como antigamente pois, os tempos são outros melhores pelo conforto mas piores pois aos poucos vamos perdendo nossa identidade e em consequência parte daquilo que realmente nos poderia fazer mais felizes. Mas como ia dizendo, lá as manifestações de regozijo do povo são ou assim eram, uma mistura de profano e sagrado na medida certa. Não era assim nas cidades, mas no meio rural, cuja tradição varou os séculos. Ainda hoje é revestida de uma humanidade e ternura imensas. O povo da Província, por ser mais simples e talvez por isso mais feliz e mais humano, ainda que às vezes carente de certos bens materiais, mais num passado não tão remoto, hoje usufruem de toda a sorte das chamadas comodidades modernas.

Para lá de todo o rito religioso que se desenvolve ao correr da Semana Santa até ao domingo de Páscoa, nas igrejas e, também no comportamento mais interiorizado de cada um, é após a aleluia que o povo extravasa seu contentamento. É o tempo da alegria da confraternização, quando no Domingo da Ressurreição o povo reparte com seus vizinhos as suas iguarias, as amêndoas doces e coloridas, a aletria, o arroz doce, e os bolos da Páscoa os chamados fulares, oferecidos pelas madrinhas aos seus afilhados. Ressalte-se que o fular do afilhado ou da afilhada levava em cima um ou dois ovos que são cozidos junto com o bolo. Mas é sobretudo o carinho, os abraços de boas festas que coroam toda aquela imensa ternura, que em muitas das vezes serve de pretexto para acabar com antigas desavenças ou mal entendidos entre vizinhos.

As ruas ficam ou ficavam cobertas de junco, funcho, dos rosmaninhos, e alecrim, até junto à porta de suas casas, onde o dono da casa com toda a sua família espera o prior com seu séquito para o beija-cruz do Senhor Ressuscitado, cuja cruz é carregada pelo chamado juiz da igreja, eleito anualmente cuja função é prover e ajudar o padre perante as cerimônias religiosas da paróquia. E à medida que passavam de casa em casa o séquito ia engrossando, pois as famílias de uns juntavam-se às famílias de outros, comendo e bebendo, entre aleluias e boas festas. Hoje em virtude da falta de sacerdotes, em algumas freguesias, não há tempo para a visita individual a cada casa; então o povo reúne-se no largo de cada lugar com suas mesas devidamente enfeitadas cheias daquelas guloseimas e coletivamente assim festejam.

Não há como não ter saudades daqueles tempos. Tudo era tão puro, tudo transpirava a inocência, numa bela sinfonia onde o profano se harmonizava com o sagrado, e o vinho em perfeitas oblações inspirava cantos e encantos. Esqueciam-se agruras e durezas da vida, e aquela boa gente de mãos calejadas pela enxada, sabiam erguer hinos que misturados aos aromas daquelas ervas aromáticas, compunham a mais perfeita a mais doce alquimia subia até aos céus qual incenso nos altares, louvando ao nosso Deus pela vida e a confiança de que não foi em vão o sacrifício da cruz.

Eduardo de Almeida Farias
Enviado por Eduardo de Almeida Farias em 05/04/2012
Reeditado em 05/04/2012
Código do texto: T3595859