DOCES LEMBRANÇAS


Era um dia muito especial a sexta feira Santa, ou Maior, como era nominada por minha avó.
Na vila pequenina e bela, todos os moradores sem exceção de nenhum, mudavam seus hábitos à mesa.
Vilarejo de casas bucólicas, com floridos jardins, e imensos quintais, onde conviviam em harmonia, vacas, cabritos, porcos, perus, patos, marrecos, galinhas e coelhos.
Por essa fartura de carne fresca, sempre a mão, jejuar de carne no dia de sexta feira Santa, era algo que os moradores somente faziam, por serem profundamente católicos.
Vila composta quase que, essencialmente de Italianos, que haviam migrado para o Brasil em busca de um pedaço de terra produtiva e mais fartura, tinha dentre seus moradores, um ou outro alemão, no mais todos traziam no sangue e no nome, a herança da bela e querida Itália.

Esse dia então era muito especial, pois em nome de uma religião, todos se abstinham de sacrificar um animal, e domavam seus apetites, habituado ao gosto da carne.
Minha avó Carmela, dias antes já adentrava o armazém de meu avô Totó, e se servia de um grande e viçoso pedaço de bacalhau. O peixe era posto de molho, e sua água era trocada varias vezes ao dia.
Ao amanhecer da sexta feira Maior, minha avó pedia que todos em casa jejuassem, para que pensássemos melhor sobre nossos equívocos, e insistia que não era dia de muita arrumação na aparência, isso queria dizer que, mal podíamos fazer nossa higiene matinal. 
Era dia de reflexão, tomada de consciência, segundo a crença de minha avó.
Em volta do fogão a lenha, ela passava toda a manhã, e na hora do almoço o cheiro delicioso de sua bacalhoada regada a azeite, fazia os vizinhos desejarem muito ser convidados para a quebra do jejum, que se estendia desde o jantar da véspera.

Ás dezoito horas era o momento de ir a igreja do Rosário, única que existia em nossa vila. Um pedacinho do céu posto ali, pra nos servir de abrigo e apoio, em momentos de incertezas, dores e também de alegrias.
E lá íamos nós, para a capela rezar.
Nessa hora, segundo minha avó, já podíamos nos arrumar.
Eu, vestia meu vestido de organdi cor de rosa, com minúsculas bolinhas brancas, um pequeno laço do mesmo tecido do vestido, prendia meus cabelos, sapatinho de verniz branco, nos pés, e estava pronta, pra me encantar com a arrumação da pequena e linda igreja da vila. 

Ao chegar de volta em casa, adorava a ideia que no outro dia era sábado de aleluia, gostava do nome desse dia, sem entender bem o porque. 
Ajudava a confeccionar o pobre do boneco que serviria para a brincadeira inocente da criançada da vila, que como eu, mal sabia direito o porque fazia aquilo.
Feliz, eu, corria solta pelas ruas de terra, sabendo que se a sexta feira santa, fora gostosa, e o sábado de aleluia estava sendo muito divertido, o domingo de Páscoa então, seria muito melhor.
De hora em hora, eu, ia em casa e verificava se o cesto de vime repleto de papel colorido, e palhas miúdas, estava no mesmo lugar, a esperar pelo coelho, que depositaria nele, os deliciosos ovos de chocolate.

Ovos que na verdade, eram de um chocolate de pouca qualidade.
Hoje reconheço isso, pois, tenho provado os chocolates Belga (Godiva) e Suiço (Lindt), e sei que aqueles que o coelho de Páscoa deixava em meu cesto lá na vila, eram bem inferiores a esses.
Só que mesmo assim, aqueles ovos de chocolate, deixaram um gosto tão maravilhoso em minhas lembranças, que nenhum outro conseguiu superar.




(Foto da Igreja do Rosário)
Lenapena
Enviado por Lenapena em 05/04/2012
Reeditado em 05/04/2012
Código do texto: T3595630