Falemos da maldade humana
Falemos da maldade humana, principalmente da falsidade de alguns que tentam se beneficiar de alguma maneira da ingenuidade das pessoas, a fim de conseguir o querem. Muitas das desavenças ocorrem por ego ferido, um ciúme mesquinho por não ser o centro das atenções. Pessoas que se aproveitam de momentos frágeis de outras para obterem sucesso em seus macabros planos.
O ser humano é mesmo complicado, não se pode entrar em sua mente e compreender de fato o que realmente se passa em sua rede neural. Mas casos como o que me arrebatou recentemente são de deixar qualquer um a um passo da loucura. Pensemos, meus caros, Iago envenenou o amor de Otelo, logo Iago, tão próximo e amigo. Amigo?! Sua dissimulação matou Desdêmona, condenou o amigo próximo e fez valer o gênero de tragédia shakespeariana.
Num jogo de intrigas, o braço direito do mouro conseguiu facilmente pôr seu plano à casta, usando de toda sua hipocrisia para dissolver um amor verdadeiro, por causa da vaidade, de um sentir-se menor diante da felicidade de outrem. O homem que possui seu egocentrismo ferido pode, e causa, males inacreditáveis àqueles que o cercam. Sabem que fim levou Otelo, sua tristeza e decepção por pensar, depois de ser obrigado a acreditar nas evidências forjadas, que sua esposa o traía com o amigo mais próximo. Enquanto o manipulador vibrava com suas frias conquistas, o marido se desesperava, não querendo crer na traição de sua amada, que nada sabia a respeito da trama tecida sobre ela.
E o que marca uma tragédia além do final? Otelo enfurecido sufoca Desdêmona na cama, é acusado pelo assassinato, mas ainda acredita que fizera o certo, mas as cortinas caem, o véu de mentiras é arrancado e máscara de Iago vai ao chão. Não há mais tempo, não se voltam ações feitas impensadamente movidos pela ira da honra maculada. Desdêmona está morta, jaz inocente embora tenha sofrido a pena por nada fazer além de amar incondicionalmente o marido. O ódio se transfigura, duplamente traído, o mouro vaza o peito de seu algoz com a espada e a própria pele transpassa, condenando a si mesmo pela sua insensatez.
O último ato é o arrebatamento da tristeza suprema, a última cena típica do dramaturgo inglês. Em seus últimos momentos, Otelo se arrasta na cama, busca a mão da esposa e, com os olhos fitos em seu semblante puro, morre arrependido. A cortina desce e a tragédia chega ao seu fim.
Brilhante!
E os amigos devem estar se perguntando o que Otelo, o mouro tem a ver com o que se passa em minha vida, não? Bem, digamos que nesta história eu sou uma espécie de Desdêmoma, traído pelo ciúme e mesquinhez de uma alma falsa e meticulosa que busca semear a discórdia entre mim e minha amada.
Talvez seja artífices do nosso próprio e malfadado destino, pois começamos uma relação oculta, obstinadamente segredada por medos diversos, entre eles ética e moral social; assim, nada surpreendente que ela findasse de modo semelhante, baseada em falsas acusações, pautada em mentiras.
Fui acusado de um crime que não cometi, condenado por dizer a verdade. Talvez se mentisse, confirmando as acusações que sofri, a pena fosse abrandada, mas meu respeito a mim mesmo, meu orgulho ferido, mas jamais vencido, me força a manter minha palavra e minha consciência. Lamentavelmente tudo o que construí ruiu. Vi em poucos minutos meu castelo desabar sem que pudesse deter uma única pedra. As torres caíram quando perdi a confiança de quem me empenhei para conquistar, nem mesmo a poeira apagou ou escondeu a dor que me fincou no peito a lâmina furiosa da Ira. Pergunto o porquê de isso acontecer e não consigo imaginar o motivo para o que antes corria tão bem, verdadeiro sonho de verão, terminar como um pesadelo errante em que os corpos pútridos arrastam-se querendo rasgar-me inteiro.
Um descuido, uma brincadeira inocente quando o álcool regia minha consciência fez-me dizer uma tolice e, pior que a minha, foi a idiotice de meu interlocutor entendê-la como verdade universal. Ainda pior, foi o infeliz usar de minha embriagues para fazer o mal, não só a mim, mas a parte mais importante da minha vida.
Quando ouvi sua voz preocupada me perguntar por que eu havia de ir a um “puteiro”, esse foi termo que ela usara, fiquei pasmo, sem compreender o que ela queria saber. Eu, que jamais fui a uma casa de prostituição em minha vida, era questionado pelos motivos que me levaram a tal lugar. Como não havia de ser diferente, neguei tal pergunta, dizendo a verdade mais clara de todas. Ela não acreditou em mim, deu voz ao seu Iago, primo, parente, pessoa a quem credita confiança. Eu não pude fazer muito a não ser confirmar a realidade dos fatos. Eu, sentenciado sem direito a defesa, indeferi meu lamento, esbravejei, insuflei com o fogo do ódio bulindo em meu integro, mas não vacilei, firmando os pés no chão, mantive a minha própria moral. O que verdadeiramente me difere da maioria dos da minha espécie, a fidelidade, mesmo arranhada, comprometida, ainda viva e digna.
Pensei, como penso agora, em pôr fim a este relacionamento. Não posso continuar qualquer que seja a relação se não houver entre nós confiança. Apesar de sofrer as piores dores que um homem apaixonado pode sentir ao perder aquela a quem se ama, não posso deixar que se continue construindo o que for, sem que os alicerces estejam bem sólidos.
Fui traído; inserido numa tragédia inglesa renascentista e nada posso fazer pra mudar esse fato. É triste assumir, mas a maldade humana possui diferentes faces e de onde menos se espera, surge uma intriga que se transforma em uma pequena bola de neve descendo a montanha... quando chega ao fim, é grande o suficiente para devastar tudo o que havia pela frente.
Uma pena!