LEPIDÓPTERO INFANTICIDA
Aconteceu há doze anos. A criança - que mal saíra dos cueiros e caminhava a passos de bezerro recém-parido - sai no encalço de uma borboleta. Olhos fixos no colorido lepidóptero e braços estendidos, como quem tenta alcançar uma estrela no céu. A mãe, com uma caneca de café fumegante, reclama do calor infernal à sobrinha, que tem os olhos pregados na poeira, que começa a despontar na estrada e, aos poucos, adquire a forma de um caminhão. Enquanto a mãe não sabe se grita ou deixa a caneca se lhe escapar por entre os dedos, a menina, antevendo o iminente desastre, se antecipa na direção da criança e ambas rolam para fora da estrada. O caminhão segue seu caminho. Mas o que terá acontecido ao pequeno lepidóptero?
Na verdade, não se sabe ao certo se houve mesmo um pequeno e colorido lepidóptero infanticida. Se houve mesmo caneca de café ou caminhão; se realmente aconteceu há doze anos ou, até mesmo, se o relato acima é verdadeiro ou falso. A única coisa que se sabe, com certeza, é que a menina se recorda do dia em que foi protagonista da cena hollywoodiana, exatamente como descrita acima.
Talvez, da próxima vez em que a menina contar esta história, a tia possa reclamar, não do calor, mas da chuva, que não pára de despencar, e tomando um chocolate quente, ao invés do fumegante café. Não que a menina tenha o hábito de faltar com a verdade. Pelo contrário, a culpa é das lembranças, que não se cansam de serem remexidas, retocadas e vistas por ângulos e cores diferentes cada vez que relembradas.