OLHAI AS MENINAS DOS CAMPOS
Fui menina do campo, andava por muitos jardins a percorrer esse meu fantástico mundo de flores. Na casa paroquial, nos visinhos, na mansão dos europeus onde meu pai trabalhava como chofer; nos campos gramados de golfe e nos caminhos pra sede esportiva, lugar de jogos e brincadeiras inocentes com os amigos.
Minha mãe cultivava rosas, margaridas, beneditas, antúrios, flores de maio e coloridos crótons, e eu sempre a auxiliava nessas tarefas. Em quase todas as casas da usina de açúcar, havia um pequeno ou um grande jardim, com flores tradicionais, emoldurando terapeuticamente a nossas infâncias. Minhas irmãs também prosseguiram nessa tradição em suas casas:o brincar de plantar e colher flores em vasos ou canteiros, e eu, a sonhar entre eles!
Mas havia lugares em que não existiam jardineiros para cultivar flores e, mesmo assim, elas floresciam. Um “arranjo da criação” que eu, atraída, observava. Até os espinhos tinham florezinhas roxas e lilases! Mato que minha mãe reclamava sempre que se feria em seus espinhos. Elas estavam ali se exibindo, e não careciam de trato; nasciam, cresciam, coloriam e morriam, ou eram extirpadas, mas depois de algum tempo, voltavam outra vez. Ritual persistente. Ninguém as plantava, mas estavam ali emoldurando sonhos, criando ilusões, perfumando, suavemente. Naqueles dias toda menina andou fazendo buquês de flores, colhendo-as pelos caminhos para enfeitar vidros de compotas vazios, as sobras natalinas.
Meninas do campo são como as flores do campo. Nascem por ali, sobrevivem entre os espinhos e intempéries; colore os cantos das ruas, os muros, à beira dos caminhos, os campos. Insistem em ser inesquecíveis. Nem sempre notadas, pois existem as mais “belas” ou “preferidas” dos jardins tratados, que enfeitam as grandes celebrações. Essas têm seus lugares especiais.
As flores dos campos, entretanto, crescem no anonimato e, de vez em quando alguem a vê, outro colhe, ainda outro lhe aspira o suave perfume como que querendo descobrir suas mais sutis essências ou para ofertar, delicadamente, a mulher amada. Elas enfeitam os sonhos e os amores eternais. Não trabalham, nem fiam, e ninguém lhes cuida, mas são sempre as belas meninas dos campos: desejadas, às vezes colhidas em momentos de encantamento e delicadeza. Nem Salomão pode ter igual beleza.
Vania Viana
Maceió
18.07.09