Insônia

Domingo. Onze horas da noite. Lá está a Zucleida, vendo TV no sofá. Boceeeeeeeja. Sente os olhos quentes e as pálpebras pesadas, como se cada uma tivesse 10 quilos. O pescoço, já sem força, deixa a cabeça pencar para lá e para cá. O raciocínio está tão devagar que as vozes na televisão soam confusas. Ela percebe que sua energia está quase extinta e decide que é hora de dormir.

Zucleida se levanta com preguiça. Escova os dentes na velocidade de uma lesma e se olha no espelho como quem diz “Boa noite!” a si mesma. Arrasta-se para a cama, deita. Dá aquela ajustada no travesseiro, puxa o cobertor e fecha os olhos. Ahhhh... que delícia! Desligar o cérebro em 3...2...1........... O que?!?!

Ela desperta no susto e se pergunta: “Eu desliguei mesmo a TV? Sim. Separei os documentos para o trabalho de amanhã?!? Sim. Programei o alarme para hora certa?!? Sim.” Ufa! E Zucleida relaxa mais uma vez.

No entanto, antes que possa evitar a tragédia, ela já está ouvindo mil vozes na cabeça. Uma cantando Rolling Stones. A outra relembrando o drama na novela. Há vozes tristes com o fim do domingo; deprimidas com a segunda-feira eminente; nervosas porque já está tão tarde; fazendo contas de quantas horas de sono serão aproveitadas; questionando se essas horas são suficiente; pensando nas tarefas da semana; torcendo para o ônibus não estar atrasado; programando o almoço do dia seguinte.

Em falar em comida, uma nova voz surge perguntando se Zucleida está com fome neste exato momento. Entretanto, outra contesta dizendo que é hora de dormir! É preciso dormir! Dormir o quanto antes para descansar mais! Dormir agora! Durma! Durma! Durma!

Zucleida trinca os olhos com toda força, luta para que esse escândalo mental não expulse o seu sono. Ela vira para um lado, para o outro. De repente, tudo parece desconfortável. O braço esquerdo está ficando dormente. A blusa está lhe sufocando. Está quente nos pés, frio nas mãos. O travesseiro está incomodando seu pescoço.

As vozes agora discutem como tornar a cama mais aconchegante. Pensam se não é melhor levantar e começar a escrever aqueles e-mails pendentes, ou se voltar para o sofá talvez lhe permita adormecer naturalmente. E há sempre aquela histérica mandando Zucleida dormir “agora! Agora! Agora! Concentre-se apenas em respirar! Sim, vi isso num filme! O cara dizia que insônia se cura quando você só pensa em respirar”.

Mas recomeça o debate. Talvez contar carneirinhos seja melhor. Mas eles pulam a cerca aos milhares. Talvez pensar no mar ajude, mas há muitas gaivotas cantando. Até que uma voz sugere que Zucleida escreva uma coluna sobre insônia, assim mesmo, em pensamento. E ela começa seu texto. No entanto, outras vozes surgem com edições, sugestões, correções, e não dá nem para montar o primeiro parágrafo. Fora a escandalosa gritando “Durma! Durma! Agora você só tem 5 horas de descanso... 4... 3... 2...1...”

Pi! Pi! Pi! Toca o alarme. Zucleida abre os olhos em pânico! As pálpebras pesadas. Segunda-feira está aqui! Ela se levanta, se veste, come, abre a porta para deixar o apartamento e boceeeeeeeeeeeja. Um silêncio quase solene no seu cérebro. Todas as vozes em transe. Só uma que se manifesta para dizer bem baixinho “Ahh, que sono! Que sono! Durma... durma... zzzz”.